Título: Regulação indevida
Autor:
Fonte: O Globo, 22/12/2011, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: Obrigatoriedade do diploma de jornalista

Eficiente termômetro para medir a qualidade do regime democrático de uma sociedade é a amplitude da liberdade de expressão praticada. No Brasil, a Constituição de 1988, redigida em meio a amplo movimento nacional pelos direitos civis republicanos, atendeu às aspirações gerais ao dar garantias totais para a difusão de opiniões, em qualquer campo: literatura, nas artes em geral, jornalismo etc. A partir de 2009, com a derrubada da Lei de Imprensa herdada da ditadura num cochilo jurídico-político, o preceito constitucional da liberdade de expressão passou a ser entendido na plenitude com que foi idealizado pelos constituintes de 87.

Não surpreende, portanto, que, ao julgar uma ação proposta em torno de uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo contra a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha mantido o fim da exigência, por considerá-la uma limitação à liberdade de expressão no sentido amplo e de exercício de atividades que não envolvam risco a terceiros.

A medida teve pouco efeito na composição das redações profissionais, porque, desde 2007, a obrigatoriedade de curso superior em faculdade de comunicação estava suspensa por liminar, e nada aconteceu de extraordinário. As grandes empresas do setor, todas multimídia, continuaram a dar preferência aos formados por estas faculdades, pois eles são contratados já com um necessário adestramento básico em texto, imagem e som.

O fim do diploma não significou, nem significará, que hordas de pessoas despreparadas serão recrutadas para substituir profissionais de salário mais alto. Seria para a mídia profissional um suicídio, porque, hoje mais do que nunca e amanhã mais ainda, só sobreviverá na intensa e crescente competição por leitores, ouvintes e telespectadores, num mundo cada vez mais digital, quem editar os melhores jornais, colocar no ar TVs e rádios com boa programação, tiver sites e blogs de qualidade apurada, e sempre em evolução.

É o contrário: o profissional de imprensa, com ou sem diploma, precisa ser crescentemente qualificado, e por isso tende a ser mais bem remunerado. Não custa pouco praticar jornalismo que se diferencia pela qualidade. O fim da exigência do diploma não tem relação com o orçamento das empresas. Apenas - o que não é pouco - reduz o risco jurídico dos empregadores, forçados, por exigências da atividade, a buscar profissionais com outro tipo de experiência acadêmica ou mesmo autodidatas.

Aliás, como já foi no passado, antes de 1969, quando decreto da ditadura militar regulamentou a profissão e surgiu a exigência do diploma de nível superior para o seu exercício.

Defender o caráter não compulsório da apresentação de qualquer diploma para se poder trabalhar em jornalismo não significa deixar de reconhecer a importância das faculdades de comunicação, fonte que continuará prioritária no fornecimento de profissionais às redações modernas.

Ocorre que, diante da amplitude do campo do jornalismo, é inconcebível que o Estado possa estabelecer quem pode ou não ser contratado por uma empresa de comunicação. E tentar restabelecer o diploma por emenda constitucional é inócuo, porque liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição. Trata-se de um direito que paira acima dos interesses de corporações.