Título: Síria para a Liga Árabe ver
Autor:
Fonte: O Globo, 28/12/2011, O Mundo, p. 22

Governo retira tanques e corpos de reduto anti-Assad, mas não consegue impedir protestos

A IMAGEM de um vídeo amador mostra um tanque em Homs: muitos deixaram a cidade antes da chegada dos observadores; outros teriam sido escondidos

UM HOMEM ferido é carregado, em outro vídeo de Homs: moradores criticam missão

HOMS, Síria

Recebidos com as ruas de Homs ocupadas por milhares de manifestantes, sons de tiros, cobranças de moradores e limitações veladas ao seu trabalho, os monitores da Liga Árabe chegaram ontem ao epicentro do levante contra o ditador Bashar al-Assad, para verificar a repressão que já deixou mais de cinco mil mortos. Mas, a julgar pelo primeiro dia na cidade, além de verificar a implementação de uma proposta de paz, a equipe de observadores terá posta à prova a própria credibilidade e eficácia da missão.

Horas antes da chegada dos monitores, 11 tanques foram vistos deixando Homs. Outros estariam escondidos em prédios do governo. Corpos teriam sido removidos da cidade e presos foram levados para bases militares, onde os observadores não têm acesso, dizem ativistas. As áreas mais críticas não teriam sido visitadas devido à presença de franco-atiradores no alto dos prédios. Os observadores enfrentaram ainda o desespero dos moradores da cidade sitiada, que cobraram proteção internacional.

— Você está dizendo ao chefe da missão que não pode atravessar para a segunda rua por causa do tiroteio. Por que você não nos diz isso? — grita um homem, segurando um monitor pelo casaco e pedindo que ele repita o que disse para a câmera, num vídeo postado ontem no YouTube.

Mais 13 mortos em Homs, mesmo com monitores

Assim como o manifestante do vídeo, os moradores se queixavam de os observadores não entrarem mais a fundo no bairro de Baba Amr, o mais duramente atingido pela repressão.

— Entre, vá e veja. Estamos sendo massacrados. Você não acredita? — perguntou outro.

Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas da cidade, chegando a 70 mil, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, mas foram dispersados com bombas de gás lacrimogêneo e tiros. Mesmo com a presença dos representantes da Liga Árabe, 31 pessoas teriam sido mortas ontem no país — 13 delas em Homs.

Cinquenta observadores e mais dez integrantes da Liga desembarcaram na Síria na segunda-feira, após meses de negociações, como parte de um plano do bloco para evitar que o país mergulhe numa guerra civil. Eles foram divididos em cinco equipes, uma das quais chegou ontem a Homs, pouco depois das 10h (hora local), onde se reuniu com o governador da província, Ghassane Abdel Al, e percorreu a cidade, numa visita que continua hoje. Outros grupos visitavam Damasco, Hama e Idlib.

— Estou retornando a Damasco e volto amanhã a Homs — informou o general sudanês Mustafa al-Dabi, chefe da missão. — A equipe fica em Homs. Hoje foi muito bom e todos os lados cooperaram.

Mas grupos de direitos humanos levantam dúvidas sobre as chances de os observadores trabalharem com independência. Os relatos eram desencontrados se os observadores estavam acompanhados ou não por membros do governo; ativistas dizem que as visitas foram rápidas e que os integrantes sequer foram aos hospitais de campanha. O transporte é fornecido pelo governo, e embora digam ser livres para ir aonde quiserem, os observadores informam no dia às autoridades que locais visitarão.

Críticos temem que “uma maquiagem” das cidades, como a retirada de tanques, dê aos monitores uma falsa impressão de normalidade, levando o grupo a “culpar os dois lados pela violência”, explicou Waheed Abdel Maguid, do Centro Al-Ahram para Estudos Político e Estratégicos, no Cairo. Além disso, muitos criticam que a missão seja liderada pelo general sudanês Dabi, que vem de um país suspeito de violar os direitos humanos.

Assad está cada vez mais isolado. Países ocidentais e mesmo vizinhos, como Turquia e Jordânia, já pediram sua saída, o que colocaria fim a uma dinastia familiar de 41 anos. O Conselho de Segurança da ONU está dividido, com Rússia e China se opondo a medidas mais duras. A própria Liga Árabe enfrenta divisões. O grupo impôs sanções ao país, mas nem todos aderiram, enfraquecendo a medida. A principal cartada da Liga, agora, para afirmar sua relevância e evitar a intromissão estrangeira é a missão.

— A missão de monitoramente enfrenta uma questão de credibilidade, e sua capacidade de visitar os locais nos próximos dias nos dirá se pode ser eficaz — avaliou Salman Shaikh, diretor do Brookings Doha Center. — Há uma dose de ceticismo sobre o que conseguirá.