Título: Um novo perfil nas favelas
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Fonte: O Globo, 28/12/2011, Opinião, p. 6

A pesquisa sobre Aglomerados Subnormais, feita pelo IBGE com base no Censo 2010, traduz em números não apenas a falta de serviços públicos em favelas do Rio, mas também registra melhorias. O levantamento é instrumento importante para definir políticas públicas em áreas de assentamentos irregulares onde vive uma população de quase 1,4 milhão de habitantes. E deve ser analisado não só pelo que explicita no que tange às condições de vida desses moradores, mas igualmente pelo que sugere em relação à maneira como essas comunidades passaram a se integrar à paisagem da cidade.

A favela de hoje — ao menos naquelas que cresceram a ponto de se tornarem quase extensões de alguns bairros, inclusive na Zona Sul — não é mais sinônimo de miséria. Algumas contabilizam avanços sociais e urbanísticos. Por exemplo, o indicador de que 12% dos domicílios de 763 comunidades pesquisadas em 2010 não dispõem de esgoto sanitário adequado pode ser entendido como uma variação da “teoria” do copo meio vazio. Se não é um índice ideal, também não está muito distante da realidade de áreas mais bem aquinhoadas por serviços públicos em grandes cidades, nas quais o percentual médio de casas servidas por rede sanitária é de 94%. Ou seja, pela ótica do copo meio cheio, o percentual médio de residências adequadamente servidas, ao menos nas comunidades mais densamente povoadas, é de 88%, uma realidade bem distinta, e inquestionavelmente mais aceitável, daquela de algumas décadas atrás.

A pesquisa também pode servir de bússola ao poder público para encontrar instrumentos adequados a intervenções que corrijam rumos e previnam descaminhos nas comunidades. Tomados por seu valor absoluto, alguns números detectados na mostra indicam que é possível recorrer a soluções pontuais, para enfrentar problemas consolidados ou como medidas preventivas. No primeiro caso, o indicador de que num universo de 426 mil domicílios 253 não dispõem de energia elétrica e 833 não têm banheiro aponta para soluções que não passam necessariamente por ações mirabolantes. No segundo, que diz respeito a medidas preventivas, sugere-se que houve crescimento relativo despropositado em algumas comunidades; vai-se ver, são incorporações de novos moradores que mal passam da casa de mil pessoas, do que pode dar conta, por exemplo, a construção de conjuntos habitacionais populares.

São maneiras diversas de avaliar o mesmo problema. Inquestionável é a realidade de que houve melhoria de condições de vida e habitabilidade em algumas favelas, graças a políticas públicas que atacam problemas crônicos. No próximo censo, deverá ficar mais visível o efeito da instalação das UPPs e a consequente “invasão social”. Pode-se também medir essa nova realidade — que, se deve frisar, não implica negar a persistência de demandas graves, a serem enfrentadas — pela valorização imobiliária em comunidades pacificadas, bem como a reintegração de algumas delas à vida da cidade. Há muito, ainda, o que fazer, mas houve mudanças que às vezes escapam aos olhos viciados em separar as favelas do asfalto.