Título: Com queda dos juros, será importante mostrar os fundos mais competitivos
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 25/12/2011, Economia, p. 26
Presidente da CVM quer tornar riscos e retornos mais transparentes ao investidor
MARIA HELENA: norma exigirá que corretoras avaliem se seus produtos são adequados ao perfil do investidor
A seis meses de deixar a presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana, primeira mulher a assumir o cargo no país, pretende colocar em prática, nos próximos meses, novas regras que tornam mais transparentes os fundos de investimentos e as agências de classificação de risco que atuam no país. A economista afirma, em entrevista ao GLOBO, que o modelo das agências de rating é "estruturalmente conflitante" e que os fundos de investimentos precisam tornar mais claros seus riscos e retornos. Xerife do mercado de capitais desde 2007, Maria Helena confirma que a CVM segue investigando operações realizadas no mercado futuro de juros às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) de 31 de agosto.
bruno.villas@oglobo.com.br
As agências de classificação de risco têm sido mais duras em suas notas ("ratings") no atual estágio da crise. A CVM quer editar regras para elas. Como isso vai mudar a relação das agências com o mercado?
MARIA HELENA SANTANA: O modelo das agências de rating é estruturalmente conflitante, porque quem paga pelo serviço é quem é avaliado pelas agências. Se há conflito de interesse, a CVM e a torcida do Flamengo acham. Por isso, passa a ser exigido delas um registro na CVM para atuar no mercado de valores mobiliários brasileiro. Entre os aspectos dessa regulamentação, está a exigência de informar ao mercado o próprio desempenho histórico dos ratings, a metodologia adotada, os códigos de conduta, a política para mitigar conflito de interesse. Esperamos que o investidor possa exercer, assim, seu papel de filtrar as opiniões das agências. (As regras foram colocadas em audiência pública na quinta-feira passada, após a entrevista).
A CVM também vai exigir mais transparência dos fundos, via a Instrução nº 409. Em 2011, vimos a quebra de fundos da gestora GWI. Esses casos são inevitáveis?
MARIA HELENA: Essa alavancagem (dos fundos da GWI) estava prevista no regulamento. Era uma conduta até tradicional do gestor. O investidor dificilmente deveria ter se surpreendido. E a carteira estava divulgada. Nesse caso, não vejo razão para intervenção do ponto de vista da regulação. Nas novas regras, não pretendemos proibir ou prescrever produtos. Nosso objetivo é permitir uma comparação mais fácil entre os fundos. E uma das medidas que vai entrar em vigor é a exigência de uma lâmina (resumo) para ajudar o investidor a identificar o risco do produto e histórico de rentabilidade.
A instrução também torna mais claro o impacto das taxas praticadas por gestoras e que morde parte dos ganhos do investidor. Isso vai ficar mais importante com a queda dos juros. Quando ela será editada?
MARIA HELENA: Talvez em janeiro ela passe a valer. E tem razão: no cenário de queda de juros, vai ser importante mostrar os fundos mais competitivos.
Vimos neste ano um movimento semelhante ao de 2008 na especulação cambial (em setembro, o dólar subiu 16,5%). Mas, desta vez, ninguém quebrou. As empresas aprenderam?
MARIA HELENA: Muita coisa aconteceu desde 2008. Foram tomadas medidas para tornar o ambiente mais transparente. Pelo lado da CVM, entrou em vigor uma norma internacional sobre instrumentos financeiros, um padrão contábil. Exigimos, por exemplo, que as companhias apresentassem um quadro com análise de sensibilidade, mostrando quais os instrumentos, riscos e o impacto que haveria para a empresa em três cenários do câmbio. Com outras medidas, a ideia é ninguém ser pego de surpresa como em 2008 (caso Sadia e Aracruz, que tinham alta exposição no mercado futuro de câmbio). Existe ainda uma resistência de algumas empresas para fornecer os dados, infelizmente.
A CVM confirmou que investigava operações realizadas no mercado futuro de juros às vésperas da reunião do Copom de 31 de agosto. Essa investigação continua?
MARIA HELENA: Era um processo de análise. E ainda é um processo de análise. Isso quer dizer que não tem nada conclusivo por enquanto. Não tenho o que comentar sobre isso.
Um relatório do TCU mostrou que, das multas administrativas aplicadas pela CVM entre 2008 e 2010, no total de R$998,4 milhões, foram pagos apenas R$8,8 milhões. Como a CVM tenta melhorar isso?
MARIA HELENA: A metodologia do tribunal está errada. As decisões da CVM estão sujeitas a recursos no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (Conselhinho). Esses processos estão lá ainda. E o Conselhinho tem gargalo por causa do grande número de processos a serem decididos. E, além disso, as empresas podem recorrer à Justiça. E tudo leva tempo.
Uma nova Bolsa se prepara para chegar ao país, ao Rio. Ela aguarda uma decisão da CVM. Como está a análise?
MARIA HELENA: Vamos receber o resultado de um estudo sobre a Bolsa no fim do primeiro trimestre do ano que vem, até abril, feito por uma consultoria internacional. O estudo vai avaliar o mercado sob o ponto de vista da eficiência da concorrência. Com o resultado, vamos avaliar o que devemos ou não fazer para o quadro. Do ponto de vista da regulação, não existe impacto porque já existem regras que permitem a competição.
E qual vai ser o principal tema de regulamentação do mercado em 2012?
MARIA HELENA: Como 2011 foi um ano mais fraco em termos de ofertas, por causa da crise, fizemos avanços em praticamente todas as frentes. Para o ano que vem, além das regras das agências de rating, vamos colocar uma norma exigindo a todos que façam ofertas ou recomendações no mercado - corretoras, distribuidoras, bancos, bancos de investimentos, administradores de carteiras e de valores mobiliários -, que avaliem se seus produtos são adequados ao perfil do investidor. Os bancos têm feito isso de forma voluntária para fundos e isso vai se tornar mais abrangente agora.