Título: Argentina: uma lei sem causa
Autor: Badeni, Gregorio
Fonte: O Globo, 25/12/2011, Opinião, p. 7

A lei aprovada pelo governo argentino, nesta semana, para controlar a produção, distribuição e importação de papel de imprensa sinaliza graves falências constitucionais porque não somente desconhece a liberdade de imprensa, cuja restrição está proibida pelo artigo 32 da Constituição da Argentina e pelo artigo 13 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica, assinado em 1979), como também porque atinge a liberdade de comércio, a liberdade de empreendimento e a propriedade privada.

Tudo isso como consequência de ser uma lei desprovida de uma causa real e legítima.

A causa que se invoca, que é o suposto desabastecimento de papel para jornais diários, é falsa. Há várias décadas, as empresas gráficas argentinas dispõem de papel porque compram da empresa Papel Prensa, cuja produção aumentou constantemente, ou importam.

Se a razão está em um suposto monopólio, a causa também é inexistente, porque na legislação argentina o que está proibido é o abuso da posição dominante que possa ter uma empresa, algo que não acontece com Papel Prensa (formada pela associação de capitais privados com o Estado, em participação minoritária, que o governo de Cristina Kirchner agora pretende estatizar, usando lei recém-aprovada, e impor uma tabela de preços de venda de produto aos jornais a ser formulada com base em critérios que seriam definidos pelo Ministério da Economia).

Se o governo realmente desejasse aumentar a produção de papel no país teria que recorrer ao inciso 18 do artigo 75 da Constituição do país e fomentar a instalação de fábricas de papel com todas as garantias para não prejudicar o meio ambiente e gerar condições para uma competição leal.

Como o governo não quer esta alternativa, é evidente que a lei não tem uma causa real.

Ao estar desprovida a lei de uma causa constitucional, o Congresso, ao sancioná-la, incorreu em um desvio de poder que acarreta a invalidez absoluta da norma e a responsabilidade jurídica e política de seus autores.

GREGORIO BADENI é advogado, integra a Academia de Leis e Ciências Políticas de Buenos Aires, a Real Academia de Ciências Políticas da Espanha e a Academia Chilena de Ciências Sociais, e é colunista do jornal "La Nación" (Buenos Aires)/GDA.