Título: Risco de R$ 110 bi
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 04/09/2009, Economia, p. 13

Governo ignora impacto da crise no caixa e superestima arrecadação em R$ 853 bilhões, dos quais R$ 31 bilhões em receitas extraordinárias

Magela, relator: ¿Acredito que podemos cumprir a expectativa e vou trabalhar com esses números¿

A previsão de aumento de R$ 110 bilhões na receita para 2010, previsto pelo governo no Orçamento (1)para 2010, deixou em sobressalto a oposição e técnicos da Câmara dos Deputados. Nos cálculos do governo, mesmo diante da nona queda consecutiva na arrecadação federal, a receita primária vai saltar da estimativa atual de R$ 743,2 bilhões para R$ 853,6 bilhões no próximo ano.

Adversários políticos classificaram os números do Executivo como ilusórios. As cifras causaram polêmica até na Consultoria de Orçamento e Finanças da Câmara. Alguns consultores disseram que a receita estava superestimada. Outros analisaram com mais cautela, comentando que os valores são sinal do excesso de otimismo do governo diante do cenário de crise.

Para alcançar os R$ 110 bilhões de acréscimo o governo lançou mão, de maneira generosa, de artifício pouco utilizado até então: colocou na cota das chamadas receitas extraordinárias uma previsão de R$ 31 bilhões. Essas receitas não são calculadas com bases nos parâmetros convencionais e dependem de cenários econômicos atípicos para se consolidar.

Crédito-prêmio IPI

O pagamento do crédito-prêmio IPI (Imposto sobre Produtos Industrializado) foi, por exemplo, citado pelos consultores como um dos fatores que podem ter influenciado o valor expressivo atribuído às receitas atípicas. Decisão do Supremo Tribunal Federal garantiu ao governo o direito de cobrar o pagamento de R$ 70 bilhões em impostos devidos à União. O problema é que esse valor não está depositado em juízo e, portanto, não deve ser pago de uma vez.

O projeto de lei enviado pelo Executivo em 2007 não contava com previsão de receitas atípicas. Em 2008 houve uma previsão de R$ 10 bilhões. Na peça enviada este ano, o valor triplicou. Especialistas analisaram o aumento da previsão de receitas extraordinárias como ¿ousadia¿ do governo.

Outro fator que contribui para o cenário de aumento significativo da receita é o crescimento da arrecadação previsto para 2010. Segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, serão arrecadados R$ 80 bilhões a mais no ano que vem.

O próprio relator do orçamento, o deputado Geraldo Magela (PT-DF) admite que a proposta é otimista¿. ¿A expectativa é de que já no terceiro trimestre haja a normalização da arrecadação. Isso demonstra o otimismo com que o governo lida com a crise. Acredito que podemos cumprir a expectativa e vou trabalhar com esses números¿, afirmou.

A oposição, por sua vez, pediu a elaboração de estudos técnicos detalhados sobre o aumento da receita. ¿Acho que isso tudo pode ser uma grande ilusão. O que está sendo feito é `mandracaria¿ para ver se viabilizam a sucessão presidencial¿, atacou o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP). A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Receita para que o órgão comentasse o aumento na previsão de arrecadação, mas não recebeu resposta.

O governo precisará contar com todo o dinheiro disponível para fechar as contas. Na peça orçamentária prevê gastar R$ 802 bilhões dos R$ 853 bilhões que pretende ter de receita. No entanto, algumas despesas que não foram contabilizadas devem dar dor de cabeça ao relator. Ele terá que encaixar, como revelou o Correio na edição de ontem, os R$ 3,5 bilhões referentes ao acordo fechado para o reajuste do benefício dos aposentados e pensionistas que ganham mais de um salário mínimo. Outros R$ 3,6 bilhões dizem respeito a compensações da Lei Kandir aos estados exportadores. O reajuste de 10% no valor do Bolsa Família, que vai onerar os cofres públicos em R$ 1,19 bilhão ao ano, também está fora.

1 - Programação O Orçamento é o principal instrumento de planejamento das ações da administração federal. Nele, o governo estima as receitas e fixa as despesas ao longo de um ano, fazendo, ao mesmo tempo, a programação de execução dos projetos distribuídos pelos ministérios. Os cálculos sobre o caixa e os gastos levam em conta parâmetros como crescimento da economia, inflação, taxa de juros e câmbio. A despeito de ser uma extensa programação, o Orçamento é tido como peça fictícia, raramente cumprida à risca. O comum tem sido o governo fazer o gerenciamento por meio do contingenciamento de verbas.

Tudo pode ser uma grande ilusão. O que está sendo feito é `mandracaria¿ para ver se viabilizam a sucessão presidencial¿

José Aníbal, líder do PSDB na Câmara

Projetos pró-Dilma estão salvos

Mesmo diante do desafio de acomodar despesas sem previsão no orçamento, recursos destinados a áreas prioritárias para o governo e para os entusiastas da campanha da ministra da Casa Civil Dilma Rousseff à Presidência da República, permanecerão intactos. A garantia é do relator da Lei Orçamentária Anual, deputado Geraldo Magela (PT-DF). Segundo ele, programas sociais, projetos que reajustam salários de servidores, de aposentados e os recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) não serão alvos de cortes.

O dinheiro que servirá para inserir no Orçamento o reajuste dos aposentados, do Bolsa Família, e da Lei Kandir, por exemplo, possivelmente sairá da reserva de contingência e das emendas de parlamentares. A manobra não é inédita. O governo costuma deixar fora do orçamento despesas que estão em sua programação. Este ano, por exemplo, mais de R$ 15 bilhões foram remanejados para cobrir gastos que estavam sem lastro.

O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida também não estava previsto na lista de despesas deste ano. Para que fosse possível iniciar o projeto que prevê a construção de um milhão de casas populares, R$ 6 bilhões foram realocados (veja quadro) na medida provisória que viabilizou a criação do programa.

O Orçamento também foi alterado para atender às chamadas medidas anticrise. O aporte de R$ 1 bilhão aos cofres dos municípios afetados com as sucessivas quedas na arrecadação também estava fora da lei orçamentária deste ano. O dinheiro utilizado para cobrir os rombos no orçamento saiu da redução da meta de superávit primário e do enxugamento das estimativas de despesas obrigatórias.

Saída semelhante deve ser usada pelo governo para tapar os buracos do orçamento do ano que vem. Além disso, alguns projetos que não são considerados prioridade poderão perder recursos, como a construção de submarinos da Marinha.(DL)