Título: Falta moderação na polêmica sobre o CNJ
Autor:
Fonte: O Globo, 27/12/2011, Opinião, p. 6

Nem o clima de longo feriado consegue baixar a temperatura da polêmica sobre a atuação da corregedora Eliana Calmon, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), tomadas a pedido de juízes, para contê-la. À liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello que, na prática, congela parte do trabalho de correição do CNJ, se seguiu outra, de Ricardo Lewandowski, para sustar a quebra de sigilo de mais de 200 mil magistrados e servidores de 22 tribunais, uma devassa de que nunca se teve notícia.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), onde são detectadas movimentações de dinheiro anormais, encontrou, a pedido do CNJ, 3.438 pessoas do Judiciário que precisariam justificar operações. E das 233 com movimentações mais vultosas, três respondem por 46% do total de R$112,9 milhões. Destes, dois são servidores e um ocupa cargo de confiança. Os casos se concentram em São Paulo, Rio e Bahia.

O novo freio ao trabalho da corregedora aguçou o conflito entre Eliana Calmon e três entidades representativas de juízes: Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). A corregedora retrucou, desmentiu que estivesse quebrando o selo da privacidade de mais de 200 mil pessoas e acusou de maledicentes e irresponsáveis as tais associações. As entidades, por sua vez, pediram ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que investigue a corregedora, acusada por elas de violação de sigilo funcional. Os juízes discordam que o CNJ, sem decisão judicial, possa requisitar informações ao Coaf.

A prerrogativa de o conselho pedir à Coaf informações sobre movimentações financeiras atípicas de magistrados se junta à discussão acerca da possibilidade de o CNJ atuar por sobre as corregedorias dos tribunais e forma um grave contencioso à espera do fim do recesso do Judiciário.

De fato, se confirmada a intenção da corregedoria de quebrar o sigilo de mais de 200 mil pessoa estaria configurada uma devassa inaceitável. Porém, faz todo sentido que funcionários públicos, ainda mais os servidores de carreiras típicas de Estado, e de elevada hierarquia, precisem colocar à disposição da sociedade a declaração de rendimentos e patrimônio apresentada a cada ano à Receita. Assim como políticos ao se candidatar.

A polarização entre magistrados e Eliana Calmon aumentou com a iniciativa de associações de magistrados de recorrer ao procurador-geral contra a corregedora, embora o pedido ao Coaf tenha sido encaminhado pelo antecessor dela, Gilson Dipp. A personificação do conflito preocupa, pois estão em jogo princípios fundamentais em qualquer democracia: privacidade, ética, transparência do Poder Judiciário. É preciso não contaminar decisões no Supremo por desavenças pessoais.

E não falta combustível para animosidades, como o fato de Lewandowski e Cezar Peluso, este presidente do STF, serem oriundos da Justiça paulista, um dos alvos da corregedora. A moderação no encaminhamento do tema ajudará o STF a chegar a veredictos equilibrados, em que direitos constitucionais não sejam arranhados nem passe para a sociedade a ideia de que a Justiça seria uma casta imune à própria lei.