Título: Fogo amigo republicano
Autor:
Fonte: O Globo, 01/01/2012, O Mundo, p. 33

Maratona de primárias para escolher rival de Obama começa com jogo agressivo entre concorrentes

Fernanda Godoy fgodoy@oglobo.com.br

Os eleitores republicanos entram nesta terça-feira na fase decisiva da escolha do candidato que terá a missão de impedir a reeleição, no dia 6 de novembro, do presidente Barack Obama, entre oito concorrentes que jogam pesado uns contra os outros. A pré-campanha, com níveis de agressividade e temperatura capazes de derreter o gelo de Iowa, no Meio-Oeste, foi marcada por uma enxurrada de anúncios negativos na TV, que interrompeu nas últimas duas semanas a ascensão do ex-presidente da Câmara, Newt Gingrich, consolidando o favoritismo do ex-governador Mitt Romney.

Gingrich, o penúltimo dos pré-candidatos anti-Romney a ganhar os holofotes, foi trucidado por uma torrente de anúncios que lembraram sua atuação como lobista dos gigantes da crise das hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac e da indústria farmacêutica, entre outros. Gingrich está no terceiro casamento, com uma mulher que era sua amante no tempo em que ele pedia o impeachment do então presidente Bill Clinton, em 1998, devido a um caso com Monica Lewinsky, estagiária da Casa Branca.

Os anúncios estão sendo levados ao ar pela campanha do deputado texano Ron Paul, e, principalmente, pelos super PACs (Comitês de Ação Política, na sigla em inglês) do governador do Texas, Rick Perry, e de Romney. Surgidos a partir de uma decisão da Suprema Corte dos EUA de 2010, permitindo doações ilimitadas de corporações, sindicatos e indivíduos para grupos de atuação políticas, os PACs vêm atuando, nesta eleição, como a linha de frente da campanha suja.

— As campanhas presidenciais sempre tiveram essa publicidade negativa, essa aspereza, isso é comum na política americana. O que é claramente diferente agora é que o trabalho sujo está sendo feito pelos super PACs, e não pelos candidatos, algo que nunca tínhamos visto antes — diz o jornalista John Heilemann, co-autor do best-seller “Virada no jogo”, sobre a campanha presidencial de 2008, que passou os últimos dias em Iowa cobrindo a campanha e já trabalhando no próximo livro.

Atuação dos PACs é envolta em sigilo

A atuação dos PACs é envolta em sigilo, já que essas organizações não são obrigadas a revelar os nomes de seus doadores, nem obedecem a limites de coleta de doações (US$2.500 por indivíduo) como acontece com os candidatos. Os anúncios são assinados por entidades como “Restore our future”, ligada a Romney, ou “Make us great again”, que já arrecadou US$55 milhões para Perry. Estima-se que o grupo de PACs que trabalha para Obama irá arrecadar pelo menos US$100 milhões para a campanha da reeleição.

Irritado com os ataques anônimos, Gingrich desafiou Romney para um debate cara a cara, e afirmou que o adversário precisa “ser homem o suficiente” para repetir as acusações ao vivo. Ron Paul, um ultraconservador da linha ideológica conhecida nos EUA como libertária, que defende um Estado mínimo e a redução drástica da interferência do governo na vida dos cidadãos, é uma exceção nos ataques sem assinatura. Seus anúncios de TV chamam Gingrich de “hipócrita compulsivo” e “homem que muda de ideia conforme lhe pagam para fazer isso”.

Ron Paul e o ex-senador pela Pensilvânia Rick Santorum foram os últimos a subir nas pesquisas em Iowa, em uma temporada extremamente volátil, na qual o eleitorado republicano oscilou entre vários candidatos, nunca se mostrando totalmente satisfeito com o favorito Mitt Romney. Contra ele pesam o fato de ser mórmon, o que é mal visto pelo eleitorado evangélico, e posições consideradas moderadas demais pela ala mais conservadora do partido. Como governador do estado de Massachusetts, Romney aprovou uma reforma da saúde pública que se parece muito com a lei que o governo Obama implementou em nível federal, e que é um dos maiores alvos de críticas da direita republicana. Os republicanos mais conservadores oscilaram entre a musa do Tea Party, Michelle Bachman, Rick Perry, Gingrich e Herman Cain (que implodiu sua candidatura com escândalos sexuais), sem nunca se definir.

— O fato de a campanha ter sido tão volátil até agora significa que os republicanos estão tendo muita dificuldade em se acomodar com um candidato. Cada um deles tem um grande ponto negativo. Não há um candidato dos sonhos este ano. A palavra-chave é elegibilidade. Os republicanos vão escolher quem tiver mais chances de derrotar Obama — diz o analista político Jerry Hagstrom, do “National Journal”, de Washington.

Modelo de caucus dificulta previsão

Em Iowa, onde a escolha se dá no modelo de caucus — os eleitores se reúnem nas zonas eleitorais para debater e escolher seus candidatos — a volatilidade é ainda maior. Os eleitores, que são os republicanos e os independentes que se registrem para participar da votação, são convencidos na hora a mudar de lado, caso seu candidato inicial esteja em desvantagem.

— É muito mais difícil que as pesquisas de opinião prevejam com precisão o resultado, porque o processo é aberto e as pessoas são submetidas à pressão dos vizinhos, dos parentes, em um estado formado por pequenas comunidades rurais — explica Hagstrom.

Mesmo assim, numa demonstração de confiança, a equipe de Mitt Romney programou a entrevista coletiva do candidato na manhã seguinte a esta primeira batalha para Des Moines, capital de Iowa, em vez de seguir para a próxima trincheira, em New Hampshire, onde a primária será realizada no dia 10. New Hampshire é considerada vitória certa para Romney, que tem casa no estado e governou o estado vizinho, Massachusetts.

O ex-governador de Utah e ex-embaixador de Obama na China John Huntsman, que até agora é candidato com traço nas pesquisas e nem sequer fez campanha em Iowa, concentra todas as suas fichas na obtenção do segundo lugar em New Hampshire, para se manter vivo na disputa.

Para Gingrich e demais concorrentes que queiram impedir a indicação de Romney, as disputas na Carolina do Sul (dia 21) e na Flórida (dia 31), são fundamentais. Mas os analistas já acreditam que, se der a largada na corrida eleitoral com uma vitória em Iowa, Romney será difícil de ser parado.