Título: Foco na população
Autor:
Fonte: O Globo, 01/01/2012, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: O financiamento do SUS

A discussão sobre a estrutura de financiamento da saúde pública no país tem praticamente o mesmo tempo de existência do SUS, instituído como universal pela Constituição de 1988. Como eram momentos de restauração da democracia e tempos de generosidade, a ideologia majoritariamente vigente - o Muro de Berlim cairia apenas no ano seguinte - rezava que caberia ao Estado ser o grande protagonista na sociedade.

O resultado é o que sabemos: a maior carga tributária entre as nações emergentes (36% do PIB) e serviços públicos de baixo nível, com raros bolsões de excelência. E uma Carta em estado perene de reforma, para que se ajuste à realidade.

No caso do SUS, completam-se mais de duas décadas em que o diagnóstico corrente é que faltam recursos para o sistema prestar um serviço pelo menos de qualidade aceitável. Neste vozerio, pouco se ouvem as vozes sensatas que reclamam melhorias de gestão nesta enorme máquina, abastecida de recursos federais mas, em grande parte, tocada por estados e municípios. Um desafio a qualquer gestor.

Há poucos dias, foi, enfim, aprovada no Senado, em votação final, a regulamentação da Emenda 29, feita à Constituição há 11 anos para dar estabilidade ao fluxo de recursos orçamentários para a saúde pública. Mas não conseguiu. Embora estivesse estabelecido que estados destinariam 12% e municípios 15% de suas receitas ao atendimento médico à população, a falta de uma definição do objetivo das despesas com saúde permitiu desvios por parte de governadores e prefeitos. Merenda escolar, saneamento, restaurantes populares eram alguns dos itens impropriamente incluídos na lista de "gastos com saúde".

Quanto à União, foi mantida a indexação da despesa pela variação do PIB do ano anterior. O Planalto conseguiu evitar a aprovação de emenda que fixava em 10% da receita tributária a contribuição federal ao SUS. Isso implicaria destinar mais cerca de R$35 bilhões anuais ao sistema, quando já está fixado em aproximadamente R$86 bilhões o orçamento da Saúde.

Não bastasse a impossibilidade de se conseguir os recursos num Orçamento apertado, devido ao crescimento das despesas assistenciais, diretas e indiretas, não faria sentido despejar bilhões de dinheiro novo num SUS com velhas deficiências administrativas. É por meio delas que proliferam esquemas de fraude e que estabelecimentos médicos públicos funcionam com eficiência muito baixa.

É sugestivo que, nos últimos nove anos e meio, tenham sido contabilizado desvios de R$2,3 bilhões na saúde pública. O número foi calculado a partir de levantamentos encaminhados ao Tribunal de Contas da União (TCU), entre janeiro de 2002 e 30 de junho de 2011. Quanto seria desviado se o sistema recebesse mais R$35 bilhões sem estar preparado para aplicá-los de forma eficiente? Faz, então, sentido o amplo programa de melhoria de qualidade em execução pelo Ministério da Saúde. Por meio dele, adotam-se princípios de premiação de profissionais competentes e de estabelecimento de metas, métodos comezinhos no setor privado e mesmo em alguns estados e municípios. Aplicá-los é questão de sensatez, e não significa "privatizar" o SUS. No caso, trata-se de dar prioridade ao atendimento à população, como deveria ser óbvio, mas não tem sido.