Título: Eles têm uma única receita: sanções
Autor: Viotti, Maria Luiza
Fonte: O Globo, 02/01/2012, O Mundo, p. 24

Para embaixadora na ONU, independência do Brasil incomoda aliados

NOVA YORK. A embaixadora do Brasil junto à ONU, Maria Luiza Viotti, acaba de passar o bastão no Conselho de Segurança, onde o país encerrou ontem sua participação de dois anos. O Brasil luta por uma vaga permanente, mas enquanto a reforma do conselho não vem, aposta suas fichas na coordenação com Índia e África do Sul (com os quais integra o grupo Ibas) que continuam no órgão.

Quais os desafios do Brasil para continuar a ocupar espaço na ONU, mesmo sem a vaga no Conselho de Segurança?

MARIA LUIZA VIOTTI: Embora tenhamos problemas, fomos capazes de trazer experiências bem-sucedidas, que foram acolhidas pela ONU e replicadas. O Brasil é um país democrático, que tem podido promover o desenvolvimento com inclusão social. Um país que construiu uma liderança regional e internacional com soft power.

Este novo perfil incomoda alguns antigos aliados, como países europeus e os EUA, não?

VIOTTI: É verdade, e isso é porque temos exercido liderança com um perfil independente. Isso, de certa maneira, incomoda. Há uma expectativa de países como EUA, França e Reino Unido, que perguntam a Brasil, Índia e África do Sul, três grandes democracias, por que não estamos com eles em questões de direitos humanos. Há uma dificuldade de entender que o Brasil não necessariamente se alia a determinadas posições. Ficou claro no caso da Síria, em que o conselho estava polarizado, que havia uma expectativa de que o Brasil reforçasse o lado europeu. Assim como a China e a Rússia esperavam que fôssemos mais para a linha deles. E nos mantivemos em posição diferenciada, achamos que é preciso solução negociada. Foi a articulação de uma posição intermediária, porque os países desenvolvidos têm uma única receita para soluções de conflitos: sanções. Foi essa articulação que permitiu ao conselho adotar consenso pela primeira vez. Só foi possível porque Brasil, Índia e África do Sul já tinham se articulado na plataforma Ibas.

O que une a visão de mundo de Brasil, Índia e África do Sul?

VIOTTI: O Brasil tem mostrado uma preferência, que coincide com a visão indiana e sul-africana, por soluções negociadas para conflitos. Valorizar a contribuição das organizações regionais, como a Liga Africana. Outro elemento é pensar a solução de conflitos de forma integrada, que leve em conta também a promoção de desenvolvimento, criação de empregos, melhoria da qualidade de vida.

A composição do conselho de que teve os países do Ibas foi considerada por analistas uma das mais interessantes...

VIOTTI: Os países "grandes" primeiro mostraram desagrado com as nossas posições. Mas, num segundo momento, procuraram entender, e houve outro em que os embaixadores de França e Reino Unido nos convidaram para almoçar. Foi uma conversa interessantíssima, porque foi uma troca de recriminações. Queriam só o nosso voto, e não nos ouviam. A partir desse almoço, começaram a fazer um esforço para incorporar nossas posições. Ao mesmo tempo, Rússia e China passaram a valorizar posições dos Brics. Criou-se uma situação em que, quando o conselho estava muito polarizado, os dois lados procuravam conquistar o apoio do Ibas.

Isso favorece a perspectiva de reforma do conselho?

VIOTTI: Se você considerar que a reforma do conselho depende do voto de dois terços da Assembleia Geral, o efeito foi positivo.

Com o novo governo, o que mudou na política externa brasileira e em como ela é vista?

VIOTTI: Os grandes princípios, as linhas gerais, permanecem. Houve mudança de avaliação em um caso ou outro. Continuar não é repetir. Há, da parte da presidente, uma preocupação grande em relação a direitos humanos. Não que não existisse antes, mas uma preocupação em deixar mais claro. (F.G.)