Título: A estratégia da provocação
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Fonte: O Globo, 02/01/2012, O Mundo, p. 23

Irã testa míssil antirradar e vareta de combustível nuclear um dia após EUA ampliarem sanções

UM NAVIO realiza manobras militares no Estreito de Ormuz (no alto); outro dispara o míssil de médio alcance

TEERÃ e WASHINGTON

OIrã manteve o tom desafiador e com o anúncio dos testes de um novo míssil de médio alcance que dribla radares e de varetas de combustível nuclear produzidas em solo próprio respondeu ontem às sanções extras impostas pelos Estados Unidos na véspera. As duas notícias devem provocar novos focos de tensão, não só por envolverem, no caso da primeira, manobras militares numa passagem marítima estratégica que o Irã já ameaçou fechar, como por aumentar, no caso da segunda, os temores em relação ao programa nuclear.

Os desafios não param por aí. Os dez dias de exercícios militares - que começaram no último dia 24, numa área que vai do Golfo Pérsico ao Golfo de Aden - deverão ter hoje seu ponto máximo, segundo o almirante Mahmoud Mousavi, comandante da Marinha, com o uso de uma nova formação tática que pode ser usada para fechar o Estreito de Ormuz, por onde passam mais de 20% do petróleo mundial. Mísseis de longo alcance ainda devem ser testados. Pelo menos um deles teria capacidade de alcançar Israel.

- Pela primeira vez, um míssil antirradar de médio alcance foi disparado com sucesso durante manobras navais maciças - disse Mousavi.

UE deve decidir punições até dia 30

O míssil superfície-ar Mehrab (ou altar) teria sido testado durante exercícios ao leste do Estreito de Ormuz, o ponto mais estreito do Golfo Pérsico. O exercício acontece quando a União Europeia estuda ampliar as sanções ao programa nuclear iraniano, o que poderia incluir um embargo ao petróleo do país. Teerã afirma que seu programa tem fins pacíficos, mas um relatório da Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU, viu indícios de uma busca ao desenvolvimento de armas nucleares.

O outro anúncio partiu da Organização de Energia Atômica Iraniana. Ela afirma que seus cientistas testaram a primeira vareta nuclear produzida a partir de depósitos de urânio do próprio país - algo que o Ocidente não considerava que o Irã fosse capaz de fazer. As sanções proíbem o Irã de adquiri-las do exterior.

As varetas contêm pequenas esferas de urânio enriquecido que fornecem combustível às usinas nucleares. Segundo a agência, a primeira fabricada no país foi colocada no centro do reator de pesquisa nuclear de Teerã. O Ocidente tem dúvidas sobre alguns dos progressos anunciados pelo Irã, mas teme que o enriquecimento de urânio possa ser usado num programa armamentista

No sábado, o presidente dos EUA, Barack Obama, impôs sanções econômicas mais duras ao país e que desta vez podem afetar suas exportações de petróleo - seu principal produto. Mas não está claro até que ponto Obama está disposto a levá-las. Se forem implementadas de maneira severa, tornariam quase impossível para a maioria das refinarias comprar óleo cru do Irã, o quarto maior produtor mundial. Mas fontes dizem que Obama está consultando parceiros internacionais para garantir que a medida não prejudique o mercado global de energia.

Paralelamente, o Irã disse estar disposto a retomar as negociações sobre o seu programa nuclear. O chefe da equipe negociadora, embaixador Said Jalili, convidou no sábado os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para reiniciar o diálogo. O embaixador deve enviar ainda uma carta à representante de Política Externa da União Europeia, Catherine Ashton, no mesmo sentido. A UE deve decidir se amplia as sanções ao país até o dia 30 deste mês.

Embora o presidente Mahmoud Ahmadinejad tenha dito num encontro de bancos que não há problemas no setor, os reflexos das sanções - já foram quatro rodadas na ONU - são sentidas no país. A moeda iraniana, o rial, registrou uma nova queda, ficando na proporção de 16 mil para cada dólar. Cidadãos iranianos tiram dinheiro de suas contas para trocá-lo por ouro ou moeda estrangeira. O preço dos alimentos subiu cerca de 40% nos últimos meses, e muitos culpam o isolamento do país, assim como as políticas econômica e externa de Ahmadinejad pela situação.

Nesse contexto, um diplomata ocidental, que pediu para não ser identificado, explicou a escalada das ameaças do governo iraniano:

- Eles estão preocupados em perder os petrodólares, dos quais dependem 60% da economia - destacou, algo que aprofundaria ainda mais a crise do país.