Título: Chuva e pavor voltam a atormentar Friburgo
Autor: Araújo, Isabel de
Fonte: O Globo, 03/01/2012, Rio, p. 3

Cidade serrana tem novos deslizamentos, sirenes soam e moradores de 15 bairros abandonam suas casas

Isabel de Araújo

Luiz Ernesto Magalhães

"Quando chove, ninguém dorme". A frase da costureira Maria da Penha de Souza, moradora do bairro Córrego Dantas, em Nova Friburgo, resume o sentimento de quem vive na Região Serrana, diante da possibilidade de uma nova tragédia. Passado praticamente um ano desde a devastação provocada pela enxurrada de 12 de janeiro do ano passado, que deixou mais de 900 mortos, o cenário de Friburgo quase não mudou.

Na avaliação do prefeito em exercício, Sérgio Xavier, apenas 40% das obras necessárias para recuperar a cidade foram feitas pelo antecessor. Demerval Barbosa Neto, chefe do Executivo à época do temporal passado, foi afastado por decisão da Justiça, em novembro, sob acusação de sonegar informações ao Ministério Público estadual (MP) no inquérito que investiga suspeita de desvio de verbas.

- Precisamos de R$700 milhões para recuperar a cidade. A verba já foi liberada, mas dependemos ainda de uma série de burocracias para iniciar as obras - queixou-se Sérgio.

Secretário de Defesa Civil admite estar enxugando gelo

A cidade voltou a sofrer com a chuva contínua que começou há uma semana. Ontem de madrugada, moradores de 15 bairros foram acordados ao som dos alarmes que avisam a população sobre riscos de enchentes. Em estado de alerta - que chegou a ser elevado a máximo -, o município registrou, em 24 horas, 100mm de chuva, considerado o limite da segurança. Apesar das obras de contenção de encostas feitas no Morro do Teleférico após o temporal do ano passado, houve deslizamentos que atingiram até a Praça do Suspiro, na região central da cidade. Desta vez, a terra não chegou a invadir a Igreja de Santo Antônio, soterrada no ano passado e que ainda está sendo recuperada.

Também ocorreram pequenos deslizamentos no Campo do Coelho e nas Braunes, perto do prédio da Uerj. O Rio Bengalas, que corta a cidade, transbordou em Córrego Dantas - uma das regiões mais afetadas em janeiro passado. A água também demorou a escoar de várias ruas do Centro. Conforme admitiu o secretário municipal de Obras, Clauber Domingues, a rede pluvial é antiga, não tem capacidade para tanto volume de água e ainda está parcialmente obstruída pela lama de um ano atrás. Vários pontos da cidade já enfrentam falta de água.

- Temos uma série de obras de ampliação de galerias para começar, com recursos públicos e privados. Fizemos uma limpeza superficial das galerias de águas pluviais, que são muito estreitas. Muito detrito acumulado da época continua lá - reconheceu o secretário.

Secretário de Defesa Civil de Friburgo, João Paulo Mori resumiu a situação ao afirmar que toda a sua equipe está "enxugando gelo":

- Há dois meses, dragamos o Rio Bengalas, na altura de Córrego Dantas. Há 15 dias, a cidade foi atingida por uma forte chuva, e todo o material foi carregado novamente para dentro do rio, inclusive máquinas que estavam nas margens. Nossa previsão para o verão é a seguinte: dragamos o rio, mas, se chover, o material torna a ser depositado no fundo, porque a maioria das encostas precisa de obras de contenção.

Nas áreas rurais, moradores tiveram dificuldade para sair de casa. A chuva agravou o problema de acesso aos bairros. No início de dezembro, pontes reconstruídas após a tragédia do ano passado caíram durante outro temporal.

Apesar da sensação de pavor que tomava conta da cidade, o prefeito em exercício pede tranquilidade aos moradores.

- Não registramos vítimas. A cidade está normal. Agimos de forma preventiva, ativando as sirenes - minimizou Xavier.

De manhã, a Defesa Civil registrou a passagem de 300 pessoas pelos pontos de apoio. À tarde, apenas 87 permaneciam nesses locais. O secretário estadual de Defesa Civil, Sérgio Simões, participou de vistorias.

Em Córrego Dantas, uma ponte improvisada sobre o Rio Bengalas, que substitui a estrutura levada pelo temporal de dezembro, quase foi arrastada:

- Não temos mais condições de aguardar uma ponte de concreto para a travessia dos moradores - reclamou o vice-presidente da associação de moradores do bairro, Édmo Silvestre.

No bairro Rui Sanglard, 30 pessoas decidiram passar mais uma noite nos abrigos. O grupo se queixa de não ter sido avisado pelo sinal de alerta, mas, sim por vizinhos.

- Algumas pessoas ouviram os sinais de comunidades vizinhas e correram. Na mesma hora, peguei meus filhos e vim para cá - conta a faxineira Mirian Correia, em um dos pontos de apoio da prefeitura.

No mesmo bairro, duas famílias ainda buscavam refúgio e queriam passar mais uma noite no ponto de apoio.

- Voltaremos para casa só quando a chuva cessar - disse Alexandra Pinheiro.

Mirian passou a noite em claro, sentada num banco, acompanhada pelo marido e dois casais. Não havia colchonete para todos.

- Deixei os colchões para meus pais e meus filhos dormirem. Só quando amanheceu a prefeitura mandou outros colchões - explicou a faxineira, que chegou 1h da madrugada no centro de apoio.