Título: Caçada mortal a cientistas do Irã
Autor:
Fonte: O Globo, 12/01/2012, O Mundo, p. 30

Teerã acusa EUA e Israel de participação na morte do 4º especialista nuclear do país

TEERÃ e WASHINGTON

Na mesma semana em que o Irã anunciou estar enriquecendo urânio numa usina subterrânea e condenou à morte por espionagem um ex-fuzileiro americano, um ataque a bomba levou à morte, ontem em Teerã, do quarto cientista envolvido no programa nuclear do país em dois anos. As características do atentado - semelhantes a operações anteriores contra membros do programa nuclear - levaram o Irã a concluir que houve a participação de agências de inteligência, e as acusações de Teerã recaíram sobre EUA e Israel. Diante da sucessão de ataques contra membros de seu programa nuclear, o Irã apelou ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e ao Conselho de Segurança para que reconheçam a ação como atentado terrorista.

O assassinato do professor universitário e cientista nuclear Mostafa Ahmadi Roshan deixou destroços pendurados em árvores e partes de corpos na rua. A ação ocorreu quando dois homens numa motocicleta se aproximaram do carro do cientista durante o trânsito. Um deles prendeu uma bomba magnética na lateral do veículo, que explodiu em seguida, em uma rua movimentada pela manhã, perto da Universidade de Teerã. Outro ocupante do carro morreu e um pedestre ficou ferido. Capaz de contornar o aparato de segurança iraniana, a bomba foi montada de modo a assegurar a morte dos ocupantes do carro e limitar o alcance da explosão.

- Ao invés de lutar em uma guerra convencional, as potências ocidentais e seus aliados parecem confiar em táticas secretas de guerra para atrasar e prejudicar o avanço nuclear iraniano - disse Theodore Karasik, especialista em segurança do Instituto de Análise Militar para Oriente Médio e Golfo, baseado em Dubai.

China e Rússia não aderem a bloqueio

Em declaração exibida na TV, a Organização de Energia Atômica do Irã disse que o ataque não levará o país a desistir do programa nuclear.

"Os atos hediondos dos EUA e do regime criminoso sionista não vai interromper nosso caminho glorioso. (...) Quanto mais vocês nos matarem, mais nossa nação vai despertar".

Mensagem semelhante foi dada pelo vice-presidente Mohammad Reza Rahimi:

- Os inimigos do Irã devem saber que não podem impedir o progresso do Irã empreendendo tais atos terroristas - disse.

O Irã alega que seu programa nuclear tem como objetivo a geração de energia, mas as potências ocidentais acreditam que o país tem a intenção de desenvolver armas nucleares.

Israel não fez qualquer comentário sobre o episódio. Na terça-feira, o chefe do Estado-Maior de Israel, Benny Gantz, disse em uma reunião no Parlamento que 2012 seria "um ano crítico" para o Irã por conta das eleições parlamentares, da pressão crescente da comunidade internacional e de "coisas que ocorrem de maneira não natural".

Segundo reportagem do "Le Figaro", o Mossad, a agência de inteligência israelense, estaria recrutando e treinando dissidentes iranianos na região do Curdistão, no Iraque.

No Facebook, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Yoav Mordechal, escreveu: "Não sei quem matou o cientista iraniano, mas não derramo uma lágrima".

Já a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, negou qualquer participação dos EUA no ataque e aproveitou para fazer novo alerta ao Irã:

-Acreditamos que é preciso haver um entendimento entre o Irã, seus vizinhos e a comunidade internacional para que se encontre um caminho para que o país termine seu comportamento provocador, encerre sua busca por armas nucleares e retorne à comunidade internacional - disse.

O "comportamento provocador" é uma referência às ameaças de Teerã de bloquear o Estreito de Ormuz, por onde circula mais de um sexto da produção mundial de petróleo, e de retaliar os EUA caso seu porta-aviões retornasse ao Golfo Pérsico. Esta foi a maneira pela qual o Irã respondeu às crescentes sanções contra o petróleo, principal produto de sua economia. No fim de 2010, o presidente Barack Obama aprovou novas restrições que dificultam a compra de petróleo do Irã. A União Europeia tem reunião marcada para o dia 23 para definir a data de entrada em vigor do embargo contra o petróleo iraniano.

Ontem, o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, se encontrou com o premier chinês, Wen Jiabao, como parte de uma viagem pela Ásia em que pretende convencer parceiros a aderirem ao bloqueio contra o petróleo de Teerã. A China, o maior comprador do produto, não deu sinais de concordar com a proposta, mas já reduziu compras no começo do ano, em busca de descontos na negociação com o Irã.

Em outros países, as restrições começam a surtir efeito. A Índia informou às refinarias que devem buscar alternativas de fornecedores. Em compensação, a Rússia declarou que não compactuará com o boicote, mesmo que o Irã persista em seu programa de enriquecimento de urânio.