Título: Um bom exemplo
Autor: Brigadão, Clóvis
Fonte: O Globo, 12/01/2012, Opinião, p. 7

É sabido o compromisso do Brasil com os princípios da ONU na promoção da paz e da segurança internacional. Nossa longa tradição diplomática é contrária à corrida armamentista nuclear e à proliferação das armas de destruição em massa. E nossa Constituição - se a levamos a sério e a respeitamos - é clara em seu art. 21: renúncia completa ao uso de armas atômicas e a promoção do programa de energia nuclear para fins exclusivamente pacíficos. É a política em prol da resolução de conflitos por meios não bélicos, pelo entendimento, a negociação e a mediação.

Com a democratização, há exatamente 26 anos, ao assinarem a Declaração Conjunta de Foz de Iguaçu sobre Política Nuclear, os presidentes José Sarney, do Brasil, e Raúl Alfonsín, da Argentina, reafirmaram diante do mundo nossos propósitos e criaram os primeiros e essenciais passos para a criação de um modelo sui generis de arquitetura político-diplomática que ensejou a construção de mecanismos de confiança mútua na área da não proliferação nuclear regional.

Foi essa aproximação que abriu aos presidentes Sarney e Alfonsín a possibilidade de avançarem na costura do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento Brasil-Argentina, liberando o comércio de bens e serviços do Mercosul (1991).

O concerto realizado pelos dois presidentes é até hoje inédito na ordem internacional do regime de não proliferação e desarmamento nuclear. O conjunto de medidas de confiança mútua nuclear conduziu à criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares - a ABACC - modelo exemplar e transparente, em todo o mundo, de verificação de atividades nucleares.

Essa cooperação renovou nossa política externa em dois sentidos: estabeleceu relações científicas, tecnológicas e comerciais com autoridades multilaterais: acordo tripartite com a Agência Internacional de Energia Atômica e adesão ao Tratado de Tlatelolco com a Organização para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e Caribe (Opanal), e adaptou as regras estabelecidas pelo escrutínio do MCTR (Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis). Finalmente, assinamos e aceitamos o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP). Fizemos todo o dever de casa com soberania e democracia!

Esse é um patrimônio do qual o Brasil e a Argentina e seus cidadãos devem garantir sua permanência e promover internacionalmente, como caso sui generis e exemplo para o mundo. Quem pensa ou sugere outra política - a da proliferação nuclear - deve pensar duas vezes, pois violaria a nossa Constituição e todo esse legado construído em torno da confiança mútua e da cooperação e que poderá evoluir para a construção de uma Latinatom, como agência latino-americana de não proliferação e desarmamento nuclear.

CLOVIS BRIGAGÃO é cientista político.