Título: Passagem livre para famílias
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 12/01/2012, O País, p. 3

Legislação brasileira permite a haitianos e outros estrangeiros trazer pais, cônjuges e filhos

Os haitianos que tiverem sua situação legalizada no Brasil poderão trazer seus parentes como qualquer outro estrangeiro que vive regularmente no país. Pais, cônjuges ou companheiro/companheira, filhos menores - e de até 24 anos se solteiros - poderão acompanhar o imigrante, como rege hoje a legislação para estrangeiros. O governo estima que, além dos quatro mil haitianos que já estão no Brasil, outros 1.200 devem deixar Porto Príncipe, capital do Haiti, nos próximos meses.

O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, explicou que, uma vez regularizado no Brasil, o haitiano poderá trazer seus parentes. O secretário está confiante em que o Conselho Nacional de Imigração (CNIG), vinculado ao Ministério do Trabalho, aprove hoje resolução com as medidas anunciadas anteontem pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que regulamentam e restringem a presença dos haitianos.

Barreto explicou que, em linhas gerais, a resolução vai tratar da concessão de cem vistos mensais e estabelecer um prazo - provavelmente cinco anos - para o haitiano imigrante arranjar um trabalho regular no Brasil. Da resolução vão constar também as condições especiais do visto de residência a ser concedido na embaixada brasileira em Porto Príncipe: com autorização para trabalhar, sem exigência de qualificação e sem necessidade de contrato de trabalho no Brasil.

A resolução deve ser aprovada hoje e publicada amanhã no Diário Oficial da União. Na semana que vem, as autoridades brasileiras no Haiti deverão iniciar a distribuição dos vistos especiais. Para Barreto, o governo não restringiu a presença dos haitianos, mas legalizou a situação.

- Não será mais necessário o imigrante recorrer a máfias internacionais, pagar a coiotes e passar por esse círculo ilegal - disse Barreto. - Por outro lado, não estamos estimulando a diáspora do povo haitiano, mas assegurando sua proteção no desejo de tentar a vida no Brasil.

O governo brasileiro acredita que o número de haitianos atrás do visto brasileiro não será muito grande em função das condições econômicas do povo. A grande maioria da população vive abaixo da linha da pobreza e não tem recursos para comprar uma passagem aérea e assumir outros gastos.

Barreto afirmou que os haitianos que seguem para o Brasil têm um perfil trabalhador e são encanadores, eletricistas, da área da construção civil. E poderão trabalhar como professores de francês.

O governo estuda estimular convênios com entidades da sociedade civil e ensinar português para os haitianos em várias turmas nos três períodos do dia. Barreto atribui a vários fatores o interesse dos haitianos pelo Brasil: a presença dos militares brasileiros que integram a força de paz no Haiti desde 2004 - que acabou motivando a promoção de um jogo da seleção brasileira na capital haitiana - e o crescimento do país, que o colocou entre as principais economias do mundo.

Tabatinga recebe mais haitianos

No norte do país, enquanto autoridades de Tabatinga, no Amazonas, dizem que pelo menos 80 haitianos teriam chegado à cidade nas últimas 24 horas - embora a Polícia Federal não confirme os números oficialmente -, a prefeitura de Brasileia, no Acre, informou que nenhum haitiano entrou na cidade entre anteontem e ontem. Tabatinga e Brasileia são as duas principais portas de entrada para os haitianos que buscam oportunidades no Brasil.

- Eles não param de chegar, e a situação por aqui continua crítica, pois não recebemos ajuda dos governos estadual e federal - diz Francisco Magdo, secretário municipal de Comunicação de Tabatinga.

Mais de 500 haitianos continuam na cidade amazonense à espera do visto que permitirá a livre circulação no Brasil, podendo inclusive trabalhar. Já em Brasileia, a prefeita Leila Galvão disse ontem que os haitianos continuam perambulando pela cidade, lotando pequenas pousadas e sofrendo com falta de condições de higiene. Segundo ela, pelo menos 60 haitianos deixaram ontem o município, a maioria rumo a Porto Velho e São Paulo.

- Não sei até quando vamos enfrentar essa situação. Parece que, com a decisão do governo de fechar as fronteiras, os haitianos devem deixar de vir para o Brasil - acredita a prefeita.

Presente em Tabatinga e Brasileia, a ONG Médicos sem Fronteiras presta assistência aos haitianos e prepara agentes de saúde dos municípios para atender possíveis doentes. No dia 20 de dezembro, a organização começou a distribuição de mais de 1,3 mil kits de higiene pessoal e de limpeza.

- O primeiro passo é melhorar as condições básicas de vida dessas pessoas, até que elas mesmas sejam capazes de se manterem. Isso é essencial para evitar a deterioração de sua saúde e uma série de distúrbios psicológicos - disse, por meio da assessoria de imprensa, Renata de Oliveira, coordenadora da ONG em Tabatinga.

A entidade não acompanha o fluxo de entrada de haitianos nas cidades, apenas faz atendimentos de urgência.

COLABOROU Flávio Freire