Título: Com o medo guardado no peito
Autor: Câmara, Juliana; Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 13/01/2012, O País, p. 3

Pacientes e médicos criticam governo por não bancar troca de todas as próteses suspeitas

DENISE MOSTRA exame que comprova as sequelas deixadas pelo uso de próteses feitas com silicone industrial. A artista plástica entrou com processo contra a importadora e reclama da omissão da Anvisa em relação ao caso. Érica, ao lado, tem próteses PIP desde 2009 e teme o rompimento. A advogada decidiu fazer a substituição do material por conta própria

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Adecisão do governo brasileiro de não garantir a substituição das próteses de silicone da francesa PIP e da holandesa Rofil que ainda não se romperam assusta pacientes e preocupa médicos. Enquanto as autoridades de saúde francesas e alemãs recomendam que todas as pacientes sejam operadas - como orientou a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética -, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu que o SUS vai pagar a troca apenas das próteses que se romperem. A Sociedade Brasileira de Mastologia alertou que os implantes apresentam um índice de ruptura sete vezes maior que os demais.

- O SUS não tem dinheiro para pagar remédio para todos, como vai pagar essas cirurgias caríssimas? Eles fizeram isso para encobrir a incompetência da Anvisa - diz André Luiz de Miranda Barbosa, cirurgião plástico e professor da Faculdade de Medicina de Santo Amaro.

A advogada Erika Rucker, de 26 anos, tem próteses PIP desde 2009 e já decidiu trocar os implantes por conta própria, mesmo que eles não se rompam. Ela disse que, desde que as notícias da fraude surgiram, não dorme mais de bruços, receia exercitar a parte superior do corpo e só tira o sutiã para tomar banho. Tudo com medo de um problema sério ocorrer:

- Só o fato de ter silicone industrial dentro de mim já caberia um processo, porque não corresponde ao que comprei. Até pretendia processar a Anvisa, mas não vou fazer porque a Justiça Federal não anda. Acho um absurdo, a fiscalização tem que ser feita pelo menos todo ano. Todos têm culpa.

Procon: Anvisa é responsável

A consultora jurídica do Procon-RJ Camile Felix Linhares alerta que a Anvisa pode ser ré em um processo, ao lado da importadora, médicos e hospitais envolvidos na cirurgia.

A artista plástica Denise Berretta está processando a importadora das próteses PIP, a EMI. Em 2010, ela substituiu a prótese PIP que vazou e, mesmo assim, continua com linfonodos de silicone que terão que ser retirados num terceiro procedimento.

- Na época, procurei a Anvisa e a EMI e eles não me responderam. Eu me senti abandonada. É um absurdo o governo não tirar essas próteses preventivamente, tive um problema sério - contou ela, que criou uma página no Facebook em que mulheres vítimas da fraude discutem o problema.

Na opinião do cirurgião Jorge Wagenführ Júnior, proprietário da produtora de implantes de silicone Lifesil e que participou da reunião na Anvisa, a agência deveria ter uma fiscalização mais rigorosa em fábricas e artigos médicos importados:

- Todo mundo é vítima dessa fraude feita lá fora, mas, para evitar problemas, a revalidação desses produtos deveria ser nacional.

Para Júnior, as sociedades médicas deveriam estabelecer prazo para fazer a troca de todos os implantes mamários; hoje, os médicos recomendam revisão após dez anos, mas não há uma determinação. No caso da PIP e da Rofil, após análise dos casos das pacientes com problemas, deveria ser determinada a troca em menor prazo, para evitar que problemas mais graves ocorram, sugere Wagenführ Júnior. Segundo o cirurgião, nenhum exame é capaz de mostrar o risco iminente de ruptura de uma prótese, o que pode dificultar o acompanhamento das pacientes, proposto pelo governo.

Estima-se que 12,5 mil brasileiras tenham próteses PIP e 7 mil, Rofil. A Anvisa, o Conselho Federal de Medicina e várias entidades médicas estão levantando dados para elaborar as diretrizes para acompanhamento dos casos. Uma dificuldade é que ninguém sabe quando a fraude começou.

- Não temos dados para afirmar que todas as próteses PIP e Rofil foram fraudadas. Elas estavam sendo vendidas há anos - diz Wanda Elizabeth Corrêa, presidente da Comissão de Silicone da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.