Título: Isolado, Irã busca apoio de latinos
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Fonte: O Globo, 09/01/2012, O Mundo, p. 20

Visita de Ahmadinejad à região é acompanhada de nova troca de ameaças com americanos

CARACAS, TEERÃ e WASHINGTON

À frente de um governo envolvido numa recente troca de ameaças com os EUA, e cada vez mais pressionado por países europeus, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, começou ontem uma visita de cinco dias pela América Latina, onde se encontrará com dirigentes aliados da região, como o venezuelano Hugo Chávez, o equatoriano Rafael Correa, o cubano Raúl Castro e o nicaraguense Daniel Ortega. O Brasil, com quem o governo de Ahmadinejad manteve um forte vínculo durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não está incluído no roteiro. O início da viagem por busca de apoio na região coincidiu com uma nova escalada das tensões entre Washington e Teerã acerca do estratégico Estreito de Ormuz, por onde passam 20% do petróleo mundial.

- As relações existentes entre o Irã e os países da América Latina são cordiais e estão em pleno desenvolvimento - disse Ahmadinejad, antes de embarcar.

Ontem, Ali Ashraf Nouri, um membro do alto escalão da Guarda Revolucionária Iraniana, garantiu que as autoridades do país já decidiram fechar o Estreito de Ormuz caso as sanções internacionais resultem no bloqueio de suas exportações de petróleo. A resposta veio horas depois, também em tom de ameaça, por parte do secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, garantindo que não vai deixar o Irã desenvolver armas nucleares ou bloquear o estreito.

- Eles precisam saber disso: se derem esse passo, serão impedidos - disse Panetta, lembrando que os EUA manterão seus navios de guerra posicionados no Golfo, e estimando que as ameaças do Irã na verdade demonstram a fraqueza do país e comprovam a eficácia das sanções contra seu controverso programa nuclear.

Urânio transferido a local subterrâneo

A tensão entre os dois países aumentou desde o final do ano passado, quando o presidente Barack Obama impôs sanções econômicas mais duras ao país, que desta vez podem afetar suas exportações de petróleo. Além disso, a União Europeia, na semana passada, chegou a um acordo preliminar para bloquear as importações de petróleo do Irã caso o país não mude de posição sobre seu programa nuclear. Numa medida que deve aumentar ainda mais o atrito com países ocidentais, o jornal "Kayhan", próximo ao governo, divulgou que o país já começou a enriquecer urânio num local subterrâneo - uma forma de proteger seu programa de eventuais ataques.

"O "Kayhan" recebeu relatórios que mostram que o Irã começou a enriquecer urânio na instalação Fordo em meio a ameaças de inimigos estrangeiros", escreveu o jornal.

O Parlamento iraniano aprovou uma medida para coibir a atividade de casas de câmbio não oficiais, em mais uma tentativa de conter a desvalorização do rial - que já perdeu 20% de seu valor desde a aprovação das novas sanções americanas.

É nesse cenário de isolamento crescente do Irã que Ahmadinejad começa o tour por quatro países latino-americanos. Em sua sexta visita à Venezuela como presidente, ele chegou ontem a Caracas, para se reunir com Hugo Chávez - que tem se posicionado claramente contra a presença da Marinha americana no Golfo Pérsico nos últimos dias. Na reestreia de seu programa semanal "Alô Presidente" - que ficou sete meses fora do ar enquanto Chávez se recuperava de um câncer - o venezuelano voltou a apoiar o Irã, considerando que "a tentativa americana de isolar Teerã faz rir".

O comércio entre o Irã e a América Latina triplicou entre 2008 e 2009, mas ainda representa uma parte ínfima das importações e exportações para ambas as partes. Tirando a Venezuela, com quem o Irã assinou um acordo de cooperação militar que nunca foi detalhado publicamente, muitas iniciativas na região nunca saíram do papel. Na Nicarágua, por exemplo, apesar dos diversos acordos assinados, o único que foi para frente é um hospital em Manágua, segundo a imprensa local. Agora, no entanto, Ahmadinejad prometeu dar "um passo gigantesco na região", sem fornecer maiores detalhes.

- Enquanto o regime se sente cada vez mais pressionado, o Irã está desesperado pelo apoio de aliados antigos, e por encontrar novos amigos - cutucou a porta-voz do Departamento de Estado americano Victoria Nuland.

Segundo analistas, no entanto, sem incluir Brasil, Argentina ou México em seu roteiro, o Irã dificilmente verá sua influência aumentar de forma significativa na região.