Título: Estado perde eficiência sob o fisiologismo
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Fonte: O Globo, 07/01/2012, Opinião, p. 6

O ministro Fernando Bezerra também interrompeu as férias de fim de ano e desembarcou em Brasília, para tentar afastar os fortes indícios de que substituíra Geddel Vieira no Ministério da Integração Nacional, mas mantivera o costume do antecessor de manipular verbas públicas com fins particulares. Geddel, para beneficiar a Bahia, no projeto pessoal, frustrado, de governar o estado pelo PMDB; Bezerra, para ajudar Pernambuco, na contagem regressiva das eleições municipais, quando poderá concorrer à prefeitura da capital, Recife, pelo PSB.

A concentração no estado de recursos do ministério previstos para obras de prevenção contra desastres e reconstrução de áreas atingidas por catástrofes se deveu, justificou Bezerra, à necessidade de atender a Zona da Mata, depois dos temporais de 2010. A presidente Dilma, inclusive, sabia da destinação do dinheiro, logo alertou o líder de Bezerra, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).

A justificativa não ficou em pé muito tempo, pois logo foi revelado que Pernambuco também é privilegiado no Orçamento deste ano. Apesar de a Serra Fluminense - não por exclusiva responsabilidade do governo federal - manter muitas das marcas da enxurrada de janeiro de 2010. Em Cocal, no Piauí, outro exemplo, a Barragem Algodões, rompida em 2009, continua com a mesma paisagem lunar. Pela argumentação pernambucana, quem não recebeu dinheiro é porque não soube produzir projetos. Outro argumento frágil. Ora, se há uma região necessitada de recursos federais e sem condições técnicas de pedi-los, cabe ao ministro da área assessorar governadores e prefeitos, independentemente de estado e partido.

Mas não é assim que funciona num governo montado sob princípios do fisiologismo. Toda a argumentação de Fernando Bezerra e Eduardo Campos se fragiliza quando se constata que outros estados e municípios não foram socorridos como deviam. O espírito de Geddel Vieira continuou no ministério.

Se o clientelismo desvendado na ação do Ministério da Integração for tratado de maneira maniqueísta, resulta no patético silêncio da oposição, apenas interessada em cortejar o PSB com vistas às eleições de 2014. E não é porque o PT tem no seu DNA a tendência ao poder hegemônico que suas críticas a Bezerra deixam de ter razão.

No Norte Fluminense, o rompimento de uma estrada-barragem, a BR-356 (Itaperuna-Campos), mais uma vez, chama a atenção para outro braço do Estado costumeiramente usado por esquemas políticos: o Dnit, do Ministério do Transporte, outra das caixas-pretas de Brasília. Já era para ter sido dada uma solução definitiva ao problema na rodovia.

O caso de Bezerra é um entre vários. E como equipes de governo são montadas sob critérios do fisiologismo, a partir do único interesse do Palácio em ter votos no Congresso e apoio em eleições, a ineficiência intrínseca do poder público brasileiro cresce de maneira assustadora. E diante de eventos graves, mesmo previsíveis, caso de temporais cíclicos, toda a incompetência da máquina fica exposta a olho nu. Com seus aspectos perversos decorrentes do clientelismo praticado na distribuição do dinheiro público, prática indissociável do modelo fisiológico de preenchimento de vagas no primeiro escalão. As crises dos 12 meses e seis dias do governo de Dilma valem por um curso de sociologia.