Título: Sexta-feira 13 na Europa
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Fonte: O Globo, 14/01/2012, Economia, p. 27

S&P tira AAA da França e reduz nota de mais 8 países europeus. Alemanha é mantida no topo

PARIS, FRANKFURT e RIO

Nicolas Sarkozy enfrentou ontem seu Waterloo. Depois de muitos rumores, a agência de classificação de risco Standard & Poor"s (S&P) tirou da França sua nota "AAA", reduzindo-a para "AA+". A S&P também foi a primeira a rebaixar os Estados Unidos, em agosto. Outros oitos países tiveram seu rating reduzido. Com o primeiro turno das eleições presidenciais marcado para abril, a oposição aproveitou para culpar o governo Sarkozy pela perda da nota máxima. Já a Alemanha manteve sua nota "AAA", assim como Holanda, Finlândia e Luxemburgo. O que dificulta ainda mais a situação política para Sarkozy, que, com a chanceler alemã, Angela Merkel, colocou-se à frente das negociações para resolver a crise da dívida na zona do euro. A dupla Merkozy, como era conhecida, agora ficará desequilibrada, já que só a Alemanha manteve a nota máxima, deixando a região cada vez mais dependente do comportamento da economia alemã.

Em dezembro, a S&P pusera em revisão, com perspectiva negativa, as notas de 15 dos 17 países da zona do euro. A decisão de ontem pode levar ao corte da nota do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef). Assim como a França, a Áustria perdeu seu "AAA", passando a "AA+". No centro da crise, recuaram em dois níveis Itália (de "A" para "BBB+"), Espanha (de "AA-" para "A") e Portugal (de "BBB-" para "BB"). Itália, Portugal e Espanha sofreram a segunda rodada de rebaixamento desde 2010.

Os rumores sobre o rebaixamento atingiram os mercados por volta das 13h (horário de Brasília), mas o comunicado oficial só saiu às 19h30m. O ministro de Finanças francês, François Baroin, no entanto, confirmou publicamente o corte da nota da dívida soberana do país às 17h. Outros países rebaixados foram Chipre ("BB+"), Eslováquia ("A"), Eslovênia ("A+") e Malta ("A-"). Bélgica permaneceu como "AA", e Irlanda, como "BBB+".

Em nota, a agência afirmou ter avaliado que "as iniciativas políticas adotadas pelas autoridades europeias nas últimas semanas podem não ser suficientes" para solucionar a crise da dívida. Como riscos à frente, a S&P apontou a redução na oferta de crédito, o aumento nos custos de financiamento de vários países do bloco, as perspectivas de desaceleração da economia e "uma aberta e prolongada disputa entre as autoridades europeias sobre a abordagem correta para resolver os desafios".

Le Pen: o 1º passo para quebra do euro

Na França, a segunda maior economia da zona do euro, a oposição não perdou Sarkozy. Para Segolène Royal, do Partido Socialista, que perdeu as últimas eleições presidenciais para Sarkozy, o rebaixamento mostra a urgência de se adotar uma política de estímulo à atividade econômica. O atual candidato do PS, François Hollande, não se manifestou, mas uma de suas assessoras, Marisol Touraine, disse ao "Le Monde" que a decisão da S&P refletiu a política de Sarkozy: "Um recorde de déficit e dívidas, uma frouxidão orçamentária para preservar os interesses de alguns poucos".

Jean-Luc Melenchon, da Frente de Esquerda, levou um grupo de manifestantes para a porta da unidade da S&P em Paris, em protesto. Em novembro, a agência havia anunciado o rebaixamento da França, mas logo depois voltou atrás e disse ter havido um "erro técnico". Marine Le Pen, candidata da ultradireitista Frente Nacional, afirmou que o rebaixamento da França "é a primeira etapa do rompimento da zona do euro".

O comissário de Assuntos Econômicos da União Europeia (UE), Olli Rehn, classificou a decisão da S&P de "aberrante". Já o ministro de Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, correu para mostrar solidariedade com a França, que disse estar "no bom caminho".

As quedas nos mercados europeus não foram fortes porque, segundo analistas, o rebaixamento já era esperado. A Bolsa de Paris recuou apenas 0,1%, enquanto Frankfurt caiu 0,6%, Londres, 0,5%, e Milão, 1,2%, mas Madri avançou 0,3%. Renaud Murail, administrador do Barclays Bourse, disse ao jornal francês "Les Echos" que os investidores têm olhado menos os comentários das agências e mais a capacidade de financiamento dos países.

Na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o Ibovespa, índice de referência, chegou a cair 1,75%, mas fechou em queda de 1,29%, aos 59.146 pontos, na segunda alta semanal (0,92%) seguida. No ano, o avanço é de 4,22%.

Nos EUA, os pregões seguiram o pessimismo em relação à Europa, mas as quedas foram mais moderadas, com redução das perdas no fim do dia. Também pesou o anúncio de queda de 22% nos lucros do JPMorgan Chase, cujas ações recuaram 2,52%.

Analista ressalta bons dados dos EUA

O governo americano informou que o déficit comercial subiu 10,4% em novembro, a US$47,75 bilhões. Mas a nota positiva foi a alta acima do esperado do índice de confiança do consumidor Thomson Reuters/Universidade de Michigan, de 69,9 para 74 pontos em dezembro. Projetava-se 71,5. O Dow Jones caiu 0,39%, o S&P 500 perdeu 0,49% e o Nasdaq, 0,51%. Mas o euro refletiu a decisão da S&P, recuando 1,1% em Nova York, a US$1,268.

- Estavam faltando notícias ruins sobre a Europa neste início de ano. Os rebaixamentos reduzem um pouco o alívio recente, mas o corte nos ratings já estava em parte considerado nos preços de ações - avalia Felipe Casotti, gestor de renda variável da Máxima Asset Management.

Na Bovespa, as maiores quedas ontem foram das ações que mais ganharam com o recente alívio nos mercados: as construtoras. Recuaram os papéis ordinários (ON, com voto) da MRV (5,79%), Rossi (5,24%), Gafisa (5,19%) e Cyrela (5,02%). Já as ações da Petrobras impediram queda maior no Ibovespa: o papel ON subiu 0,83%, e o PN (preferencial, sem voto) caiu apenas 0,13%. Já Vale PNA recuou 1,04%.

Para o analista-chefe da XP Investimentos, Rossano Oltramari, o rebaixamento não é suficiente para acabar com o alívio nos mercados:

- Há dados positivos sobre a recuperação da economia dos EUA e sobre o controle da inflação no Brasil e na China - afirmou.

O dólar comercial subiu 0,28%, a R$1,79. Para o gerente de Câmbio da corretora Icap Brasil, Ítalo dos Santos, a corrida para o dólar não foi maior porque houve fluxo de entrada de recursos. Na semana, a moeda americana recuou 2,45%.

COLABOROU Vinícius Neder, com agências internacionais