Título: A falta de obras de prevenção
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Fonte: O Globo, 14/01/2012, Opinião, p. 6
A temporada de chuvas deste ano não gera apenas um noticiário dramático de perdas de vidas, sonhos pessoais desfeitos em desmoronamentos de barrancos e inundações. Há, em paralelo, uma cobertura copiosa da imprensa sobre a ineficiência e ações de má-fé de administradores, em todas as três instâncias do poder público, cujo resultado é o desamparo das vítimas nessas catástrofes. É instrutivo acompanhar os dois ângulos do mesmo fato - o efeito concreto das chuvas e como falhas do Estado contribuem para amplificar o sofrimento da população.
Contribui para o didatismo a coincidência de duas temporadas consecutivas de fortes chuvas no Sudeste. Depois da enxurrada de 2011 na Serra Fluminense, com mais de 900 mortos, vários ainda desaparecidos, a imprensa passou a acompanhar o cumprimento de todas aquelas promessas feitas por autoridades compungidas enquanto bombeiros e voluntários tentam resgatar vítimas de escombros. Série de reportagens do GLOBO serviu de radiografia detalhada da existência de desvãos de corrupção pelos quais dinheiro liberado para reconstruir áreas atingidas pelo temporal desapareceu. Dois prefeitos, de Teresópolis e Nova Friburgo, foram afastados.
As chuvas do verão seguinte, o atual, chegaram por Minas, enquanto a imprensa profissional continuava atenta ao destino de todas estas verbas prometidas. O viés clientelista do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra (PSB), na destinação de recursos contra acidentes em 2011 e no Orçamento deste ano para seu estado, Pernambuco - apesar do desastre no Rio de Janeiro -, seria descoberto cedo ou tarde.
Há, também, falhas técnicas gritantes. Uma das principais, não privilegiar gastos em obras de prevenção. Assim, o poder público atua preferencialmente para resgatar corpos, tratar de feridos e, depois, reconstruir bairros, comunidades, estradas, o que seja. E nem sempre o faz, como está evidente na Serra Fluminense. Sequer as pessoas são removidas das áreas de risco, medida que deveria ser tomada com determinação, para salvá-las.
Um estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) registra que, de 2006 a 2011, o governo federal liberou R$745 milhões para projetos de prevenção em áreas de risco, contra R$6,3 bilhões para socorrer vítimas de desastres ditos naturais. Deveria ser o inverso. Mas, para isso, as obras preventivas teriam de ser de fato executadas, sem clientelismo, conchavos com caciques políticos regionais, todas estas cenas explícitas do patrimonialismo pornográfico brasileiro.
Levantamento da Comissão Especial de Medidas Preventivas e Saneadoras e Catástrofes Climáticas, da Câmara dos Deputados, concluiu que, de 2000 a 2010, ao menos 2 mil pessoas morreram. Com a catástrofe de 2011 na Serra Fluminense, a estatística se aproxima dos 3 mil, número assustador. E vai aumentar.
Teria de ser repetida em escala federal a experiência de meio século atrás, no Rio, quando dois grandes temporais dissolveram encostas de morros cariocas, com vítimas também da classe média. Foi feito um levantamento sério nas encostas da cidade e executado um programa efetivo de obras de contenção. Deu certo. O quadro político atual (clientelismo etc.) não ajuda, mas é preciso dar alguma seriedade e eficiência à ação pública no setor. Ou pessoas continuarão a morrer.