Título: Turismo e saúde abalam o Sistema S
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 05/09/2009, Economia, p. 16

A criação de duas entidades implica dividir em mais partes o bolo do organismo, calculado em R$ 8 bilhões. A CNC teria a maior perda, estimada em R$ 400 milhões

O destino de cerca de R$ 400 milhões, dinheiro usado na formação profisisional de trabalhadores do comércio, turismo e saúde, está nas mãos do Congresso Nacional. Dois projetos em trâmite no Senado tentam desmembrar as funções e o orçamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) para criar mais duas entidades para o Sistema S, a do turismo e a da saúde. No Senado, o tema é considerado espinhoso e, em duas reuniões que deveriam definir a votação dos projetos, os parlamentares optaram por adiar a decisão.

A briga é travada pelas confederações nacionais da Saúde (CNS) e do Turismo (CNTur) contra a CNC, que até o fechamento da edição não informou o valor do seu orçamento anual. Em coro, as duas entidades alegam que os comerciários não têm mais legitimidade para representar trabalhadores de outras áreas. Argumentam ainda que os cursos e serviços oferecidos pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) não seriam adequados para os empregados do turismo e da saúde, principalmente pelos custos. ¿Quem mais sofre é a população, que não tem um atendimento mais qualificado com essa concentração de serviços¿, afirmou o presidente da CNS, José Carlos Abrahão.

Com esse discurso, CNTur e CNS bancam dois projetos de lei no Senado para mudar a finalidade da CNC. O objetivo é que R$ 400 milhões em contribuições ¿ feitas por hospitais, clínicas, agências de viagens e outras empresas ¿ sejam remanejados para a criação das duas entidades no Sistema S(1). Seriam elas: Sestur e Senatur, para os trabalhadores do turismo; e Sess e Senass, para os da saúde. ¿Elas vão desfalcar o fundo de formação profisisonal do trabalhador. E para quê? Para atender os desejos e ganância de alguns? Que sejam mantidas então por contribuição sindical, dinheiro que as confederações já recebem do governo¿, rebateu o vice-presidente de Relações Institucionais da CNC, Gil Siuffo.

Debate

As três instituições trocam farpas e argumentos em audiências no Congresso e em notas oficias. Nos últimos 1º e 2 de setembro, os projetos foram debatidos com ânimos alterados em comissões do Senado. A CNC se defende das alegações de ilegitimidade e diz que é uma instituição de 60 anos, com o compromisso de formar 800 mil trabalhadores por ano para as áreas de serviço, saúde, comércio e turismo. ¿Estamos questionando no Supremo Tribunal Federal (STF) uma portaria do Ministério do Trabalho que criou diversas confederações, inclusive as de turismo e de saúde. O objetivo dessas novas entidades é só a contribuição sindical¿, afirmou Gil Siuffo.

O vice-presidente de finanças da CNC ainda defende que a fragmentação dos serviços sociais do comércio vai prejudicar milhões de brasileiros que são beneficiados por cursos e atividades culturais, de lazer e esportivas. ¿Não queremos impedir a criação do Sistema Social do Turismo, só estamos mostrando que não precisamos dividir os recursos quando o Sesc e o Senac já fazem o treinamento e assistência aos setores de turismo e saúde¿, afirmou. ¿Temos 4,5 mil unidades de educação e muitas estruturas como a recém-construída unidade em Ceilândia, importantíssima para a comunidade. Como manter toda essa estrutura com menos recursos?¿, questionou Siuffo.

As entidades concorrentes rebatem as acusações e afirmam que os comerciários só passaram a atender os trabalhadores do turismo e da saúde recentemente. ¿Estamos criando um serviço diferenciado. Nossos cursos serão gratuitos, com certificação em turismo, com estágio na rede hoteleira e ainda criaremos um departamento próprio para tratar da empregabilidade em turismo. Queremos garantir empregos para nossos trabalhadores¿, afirmou o presidente da CNTur, Nelson de Abreu Pinto. A proposta e os argumentos da saúde são semelhantes. ¿Não faz sentido o pessoal do comércio administrar as contribuições que vêm da saúde se já existe uma confederação para isso¿, argumenta o presidente da CNS, José Carlos Abrahão.

Em nota divulgada aos parlamentares, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS) acusou os comerciários de discriminar os trabalhadores da saúde, tanto em relação aos cursos profissionalizantes, quanto nas demais atividades sociais. A CNC rebate e assegura que atende a todos da mesma maneira e com qualidade. Explica ainda que da forma como está constituída, se um setor como a saúde, por exemplo, não conseguir angariar recursos suficientes para bancar cursos e outras atividades, as contribuições oriundas do comércio e serviços seriam suficientes para cobrir a demanda.

1 - Fontes e gastos Formado por 11 entidades (entre elas Sesi, Senai, Sesc, Senac e Sebrae), a sobrevivência do sistema é garantida por um tributo de 2,5% incidente sobre a folha de pagamento. A arrecadação é chamada de Contribuição de Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas. Todos os recurssos devem ser direcionados às atividades de formação profissional, culturais, lúdicas e esportivas. Os cursos profissionalizantes do Senac e as peças de teatro do Sesc, por exemplo, são mantidos por essa verba.