Título: Não é solução
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Fonte: O Globo, 16/01/2012, Opinião, p. 6

No início de dezembro de 2011, de madrugada, uma batida na rodovia BR-116, envolvendo três veículos - sendo um caminhão, uma carreta e um ônibus, este repleto de trabalhadores do corte de cana -, causou a morte de 34 pessoas, transformando-se no pior desastre já acontecido em terras baianas. Iniciadas as investigações sobre a causa do infortúnio, graças à gravação de imagens pelo circuito de segurança de um ônibus que seguia atrás da carreta, um site de notícias registrou que "o motorista da carreta dirigia de forma imprudente. No vídeo está registrado o momento em que o condutor se aproximava do acostamento em alguns momentos e em outros seguia no meio da pista. Apesar da pouca nitidez do vídeo é possível perceber que o motorista dirigia em zigue-zague".

Dias antes, na capital paulista, o motorista de ônibus Edmilson Reis Alves, com 59 anos, desmaiou e acabou atropelando um pedestre, que quebrou o pé. Em vez de ser ajudado, o motorista foi covardemente puxado de sua poltrona por uma multidão enfurecida e linchado. O grupo imaginava tratar-se de mais um caso de álcool ao volante. Socorrido, chegou morto ao hospital.

Em 2010, foram mais de 40 mil mortes no trânsito. Famílias destruídas, futuros desfeitos. Não há dúvida que álcool e direção não se combinam. Todavia, não podemos esquecer que o sono e a fadiga também causam falta de concentração do motorista e eventualmente ocasionam acidentes. E a má conservação das estradas. E a falta de fiscalização policial ao longo das rodovias. Neste ponto, qual o motorista que nunca se deparou com um ônibus em péssimo estado, ou com um caminhão transportando pessoas, com pneus carecas e luzes queimadas? Há até viaturas policiais que transitam assim! Nos casos mencionados, por exemplo, nenhum dos motoristas estava alcoolizado.

A conclusão é que não há apenas, como vilão, o motorista que bebe uma cerveja antes de conduzir seu veículo, e talvez a defesa cega dessa proibição ferrenha, como se fosse a solução para todos os problemas do trânsito, seja por demais pueril, deslocando o foco da discussão de onde realmente interessa, que são: a) a conservação da nossa malha rodoviária; b) a fiscalização policial ao longo da via; c) a aplicação de multas para os que ultrapassam os limites de velocidade e desrespeitam as regras de trânsito; d) as punições em si, pois como regra no sistema brasileiro as condenações de até quatro anos não levam o infrator para a prisão.

Afinal, alguém pode muito bem beber algumas cervejas, conduzir seu veículo por algumas quadras e chegar em casa sem colocar em risco a sua vida ou a segurança de qualquer pessoa.

Por isso, sou a favor da Lei Seca. Mas que entre em vigor quando nossas rodovias todas estiverem sem buracos e bem conservadas, quando os motoristas cansados e sonolentos forem igualmente autuados por dirigirem nessa situação, quando houver policiais fiscalizando nas rodovias, e quando não mais circularem veículos com pneus carecas ou com luzes queimadas nas cidades e nas estradas. Enquanto isso não acontecer, Lei Seca é engodo.

VLADIMIR POLÍZIO JÚNIOR é defensor público.