Título: No Rio, Mulheres da Paz naufraga
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 16/01/2012, O País, p. 3

Beneficiadas pelo programa do governo recebiam bolsa de R$190 mas faltavam ao trabalho

A intenção era afastar jovens de 22 comunidades - quatro delas com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) - do risco de serem atraídos pelo crime. Mas o Mulheres da Paz no Rio não conseguiu cumprir a missão. Boa parte da beneficiadas recebia a bolsa-ajuda de R$190 mensais na boca do caixa e nunca comparecia ao trabalho. Resultado: o projeto foi encerrado há seis meses, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou uma série de irregularidades em nove estados.

Só em 2011, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça, repassou R$6 milhões ao programa Mulheres da Paz de 30 estados e municípios do país, sendo a maior parte da fatia (R$1,8 milhão) ao estado do Rio, para atender 2.901 mulheres.

Na favela da Rocinha, Zona Sul da cidade, por exemplo, pelo menos a metade das 200 participantes abandonara o projeto. Mesmo assim, elas continuavam recebendo o dinheiro, segundo contou a comerciante Maria Maísa da Silva, de 57 anos, uma das integrantes do grupo.

- Os R$190 não sustentam uma família. Elas precisavam ter outros trabalhos e, por isso, não ficavam disponíveis - disse Maria Maísa.

A situação é parecida no Morro da Providência, na Zona Portuária. De acordo com a vice-presidente da Associação de Moradores do local, Maria Helena dos Santos, de 43 anos, das 190 inscritas, apenas 70 atuavam efetivamente. Helena decidiu entrar para o Mulheres da Paz depois de ver o filho Myller dos Santos, de 18 anos, entrar para o tráfico e ser morto em um confronto com a polícia, há seis anos.

- Todas elas assinavam a folha do ponto, mas nunca compareciam às reuniões, cursos e visitas às famílias dos jovens. Foi dinheiro jogado fora - lamentou ela.

Por ter iniciado com atraso (em setembro do ano passado), no Morro do Borel, na Tijuca, Zona Norte do Rio, o Mulheres da Paz só funciona atualmente nessa comunidade. O retrato, no entanto, não é diferente. Das cem mulheres beneficiadas, somente 30 cumprem o compromisso, como revelou uma das beneficiadas, Maria Helena Lopes, de 47 anos.

- O projeto pecou nesse sentido. Era mais fácil ter capacitado 20 mulheres atuantes e não cem, com a maioria sem compromisso com o projeto. Isso atrapalhou - disse Maria Helena. - Falta infraestrutura. Não temos nem local para ficar. Temos que usar o espaço de uma escola particular, o que limita muito o desenvolvimento das atividades com os jovens - completou ela.

Antônio Carlos Biscaia, subsecretário estadual de Direitos Humanos e Territórios na Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, admitiu o problema:

- Muitas delas eram dedicadas, outras não. (O Mulheres da Paz) ficou aquém da expectativa inicial.

Em março do ano passado, o TCU identificou irregularidades na execução do Pronasci nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Pará, Pernambuco e Rio Grande do Sul, além do Rio. À época, o relatório apontou fragilidade no acompanhamento e fiscalização dos projetos, deficiência na interação entre as ações do programa, inexistência de critérios para inclusão de jovens no Mulheres da Paz e execução parcial dos objetivos.

Com início em 2008 e convênios assinados até 2009, o projeto capacitou mulheres em cursos de direitos humanos, mediação de conflitos e cidadania. Em seguida, os grupos se aproximaram das famílias da comunidade e encaminhavam os jovens aos programas sociais e educacionais do Pronasci.

Em nota, o Ministério da Justiça informou que, para fiscalizar, conta com a "boa-fé" dos gestores do programa Mulheres da Paz: "Cabe ao gestor local, via sistema, atestar o cumprimento das metas. Pressupõe-se a boa-fé desses gestores".

O assessoria de imprensa do ministério lembra ainda que há prestações de contas e que as ações do Pronasci estão sendo reformuladas.