Título: Modernizar o Código Penal é prioritário
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Fonte: O Globo, 11/01/2012, Opinião, p. 6

A emenda constitucional nº 45, aprovada em dezembro de 2004, é a pedra fundamental da reforma do Poder Judiciário. Uma base sobre a qual há muito o que construir, dentro da ideia de que o projeto de modernização da Justiça precisa ser amplo para ter reflexos positivos junto a quem importa, a população.

Logo após a promulgação da emenda, foram implementados mecanismos com grande efeito na melhora do fluxo de processos nas altas Cortes, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF). Pelo princípio da "repercussão geral", por exemplo, o STF passou a poder escolher temas sobre os quais se pronunciará, dando preferência a assuntos com implicações para a sociedade.

Outro capítulo no enorme trabalho de reforma do Judiciário, já aberto, é o de revisão de códigos. No ano passado, comissão especial instituída pelo presidente do Senado, José Sarney, sob a coordenação de Luiz Fux, posteriormente nomeado ministro do STF, entregou ao Congresso proposta de modernização do Código do Processo Civil. Já tramita no Senado.

Estão em fase de formulação sugestões de modernização do Código Penal, por uma idêntica comissão especial criada no Senado, e presidida por Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Um código de 1940, quando ainda havia ladrões de galinha, não pode dar respostas capazes de conter o crime organizado e mesmo atender a demandas de uma sociedade urbanizada, na era da internet.

Algumas das linhas de trabalho da comissão, publicadas segunda-feira pelo GLOBO, vão em boa direção. Bom exemplo é o fim do tratamento do jogo do bicho como se não fosse crime, mas contravenção penal. Basta considerar que os antigos bicheiros se associaram a quadrilhas internacionais, a fim de entrar no jogo eletrônico, para constatar a caducidade do Código Penal brasileiro.

A comissão pretende, ainda, que em crimes graves, hediondos, não seja mais possível o condenado pedir progressão de pena depois de cumprido apenas um sexto da sentença (17%). Ele teria de ficar preso no mínimo 33% do tempo da condenação. Embora este tipo de reivindicação costume esbarrar no argumento de que a Constituição impede a "personalização da pena", é uma tese sobre a qual vale insistir.

Também é coerente com os tempos atuais a tipificação do terrorismo como crime, inexistente no Código Penal. Os representantes dos ditos movimentos sociais atuantes em Brasília temem que o MST e outras organização similares passem a correr riscos. Será um erro não dotar o país de recursos legais de combate ao terror apenas porque há aliados políticos de donos do poder que transitam numa zona sombria entre o legal e o ilegal. Não se pode ter alguma tranquilidade diante de uma Copa e das Olimpíadas, alvos clássicos de terroristas, se não houver alguma base jurídica para se punir este crime.

O Congresso, a partir do Senado, precisa estimular o debate sobre as propostas, que também tratam de forma aberta de assuntos cruciais como aborto de fetos anencéfalos, sem cérebro, permitido pelo projeto, atenuam a pena nos casos de eutanásia e não criminalizam a ortotanásia (algo como morte assistida). O ano é eleitoral, mas os políticos poderiam reservar algum espaço na agenda para tratar das propostas de mudanças dos dois códigos, fundamentais na reforma do Judiciário.