Título: Violência crescente, política ineficiente
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 06/09/2009, Brasil, p. 14

Com 50 milhões de veículos, Brasil engatinha para implantar um programa de redução de mortes em estradas

Para os especialistas, a sensação de impunidade no trânsito dificulta a eficácia da implementação de políticas públicas

Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press Pedro Corrêa diz que a segurança no trânsito está longe de ser prioridade

A frota de veículos do Brasil quase triplicou nos últimos 20 anos. No início dos anos 1990, cerca de 18 milhões de automóveis circulavam pelo país. Hoje, já são 50 milhões de carros, motos e caminhões nas ruas ¿ principalmente das grandes cidades. Apesar disso, os órgãos responsáveis pelas políticas de segurança no trânsito não conseguiram acompanhar esse crescimento. O resultado disso é que o Brasil está entre os países com mais mortes por acidentes automobilísticos, à frente, inclusive, de nações mais populosas e com frotas maiores. Ainda assim, o governo mal consegue contar as vítimas das estradas brasileiras.

O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) calcula que cerca de 25,5 mil pessoas perdem a vida todos os anos em acidentes no país. O número é menor que o registrado em 1986, quando o órgão listava mais de 27 mil óbitos. E poderia apontar um avanço, já que a quantidade de carros nas ruas cresceu de lá para cá, não fosse o fato de esses dados estarem bem distantes da realidade. De acordo com o Ministério da Saúde, as mortes no trânsito brasileiro chegam a 35 mil a cada 12 meses.

O Denatran faz suas estatísticas com base em dados repassados pelos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans), que levam em conta apenas os óbitos ocorridos na hora do acidente. O ministério, por outro lado, adota uma metodologia diferente, porque monitora feridos nos hospitais por meio do Sistema Único de Saúde. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 30 dias depois do acidente, a morte de um paciente pode ser associada ao trânsito.

¿Há mais de 20 anos que o Denatran faz estatísticas do mesmo jeito. Os números vêm e vão do mesmo jeito¿, afirma o jornalista J. Pedro Corrêa, autor do livro 20 Anos de Lições no Trânsito ¿ desafios e conquistas do trânsito brasileiro de 1987 a 2007, lançado na semana passada. Ele afirma que, nas últimas décadas, apesar do incentivo para o crescimento das montadoras e do mercado de veículos no Brasil, o governo deixou de lado o investimento em ações que garantissem a vida nas estradas do país.

E o fato de o órgão responsável pela elaboração de políticas não ter estatísticas que reflitam a realidade, para o especialista, isso demonstra que o assunto ainda está longe de ser uma prioridade no país. ¿O Brasil não sabe fazer estatísticas. Se tivéssemos um plano nacional para a redução de mortes, isso teria um efeito ainda pior. Queremos fazer parte do jóquei clube com trânsito de favela¿, critica Corrêa.

Estatísticas

O Denatran admite que suas estatísticas não levam em conta mortes nos hospitais. Mas informou, por meio da assessoria de imprensa, que considera os dados do Ministério da Saúde para elaborar políticas de segurança no trânsito. O professor de Engenharia de Tráfego da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Marques avalia que essa não é a melhor forma de pensar como resolver os problemas nas ruas do país. ¿O órgão de trânsito não pode confiar somente no sistema de saúde porque há informações que interessam para um e não interessam para o outro, como o local do acidente, o estado de conservação da via e as condições do acidente¿, critica.

O presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito, David Duarte Lima, vai além. Diz que as estatísticas de trânsito no país nunca foram confiáveis e que isso pode esconder cenários ainda mais graves. ¿Há cinco anos, tínhamos 500 mil feridos no trânsito do país. Hoje, 500 mil são apenas os feridos em acidentes com motos e o Denatran não conhece essa realidade. Não basta contar os mortos. Temos que contar e saber quais são as causas do acidente. Hoje, estamos apenas contando mortos. E contando mal¿, diz. Segundo o especialista, o Denatran tem trabalhado para aperfeiçoar as estatísticas. Mas os resultados só devem aparecer em três ou quatro anos.

Políticas públicas

Na Europa, países como Inglaterra e Portugal conseguiram reduzir pela metade o número de acidentes com políticas públicas. Na França, o governo focou principalmente o combate aos motoristas embriagados e conseguiu reduzir as fatalidades de 7 mil para 4,7 mil por ano entre 2002 e 2006. Nos Estados Unidos, onde a frota de veículos ultrapassa os 250 milhões de veículos, o número de mortos no trânsito soma pouco mais de 40 mil por ano.

OS NÚMEROS

35 mil - Número de mortos no trânsito a cada ano no Brasil, segundo o Ministério da Saúde

50 milhões - Essa é a frota de veículos em circulação no país, segundo o Denatran

Hoje, estamos apenas contando mortos. E contando mal¿

David Duarte Lima, presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito

Prejuízo bilionário

Além de traumas irreparáveis na vida de milhares de famílias, as mortes no trânsito causam um prejuízo bilionário. De acordo com dados do Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea), os acidentes custam R$ 28 bilhões todos os anos aos cofres públicos, entre despesas hospitalares, indenizações e outros gastos envolvidos nessas ocorrências. Com muito menos, seria possível resolver o problema. ¿Os estudos mostram que 20% do que o país perde seriam suficientes para reduzir drasticamente o número de fatalidades em menos de três anos¿, afirma o especialista em segurança no trânsito J. Pedro Corrêa.

A sensação de impunidade é outro fator que, para os especialistas, dificulta a implementação de políticas de combate à violência no trânsito. ¿Se o motorista fica parado em local proibido e não é multado por isso, tem a sensação de que está livre de qualquer vigilância e perde o medo de cometer outras infrações¿, avalia Paulo César Marques, professor de Engenharia de Tráfego da Universidade de Brasília (UnB). Quando não é a falta de fiscalização, as facilidades também podem ser um incentivo aos maus motoristas, segundo Corrêa. ¿O pior é o `jeitinho¿, como parcelar multas em 10 vezes, o que desmoraliza o efeito corretivo delas.¿

A avaliação dos especialistas é de que os motoristas estão dispostos a adotar medidas de segurança desde que sejam convencidos da eficácia delas ¿ e de que há fiscalização nas ruas para punir os infratores. Um exemplo disso é o cinto de segurança, ignorado até o início dos anos 1990 e que hoje faz parte do cotidiano dos condutores. O mesmo raciocínio vale para a faixa de pedestres, aqui no Distrito Federal.