Título: Desocupação acaba em confronto
Autor: Sorima Neto, João; Ribeiro, Marcelle
Fonte: O Globo, 23/01/2012, O País, p. 3

PM e sem-teto entram em choque em São Paulo; batalha também foi judicial

Policiais da Tropa de Choque da Polícia Militar e moradores de uma área ocupada conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos (a 97 quilômetros de São Paulo), se enfrentaram na manhã de ontem durante a reintegração de posse do terreno de mais de um milhão de metros quadrados. Pelo menos uma pessoa ficou ferida com gravidade e 18 foram detidas, entre moradores ou ativistas ligados a movimentos contrários à desocupação. Levados para a 3 ª delegacia, todos foram soltos no final do dia, depois de prestar depoimento. Até as 21h de ontem, o clima ainda era tenso, com policiais montando guarda nos primeiros acessos à área e retirando os últimos ocupantes das casas. Oito carros foram queimados.

AGU queria decisão federal

Antes da ação de ontem da Tropa de Choque, a reintegração da área havia se transformado numa batalha jurídica. Na última terça-feira, a polícia já se dirigia ao local para cumprir a reintegração de posse quando foi impedida por uma ordem da Justiça Federal que suspendia a ação. O documento, assinado pela juíza federal Roberta Monza Chiari, foi cassado no mesmo dia, pois outro magistrado reconheceu que a competência do caso seria estadual.

Na última sexta-feira, novamente o pedido de desocupação foi anulado pela Justiça Federal. O Tribunal Regional Federal de São Paulo concedeu liminar aos membros do movimento para que a decisão da juíza Roberta Chiari fosse considerada. Mas, a juíza estadual responsável pelo caso disse que não havia sido notificada e que a ordem de despejo deveria ser cumprida. A Advocacia Geral da União (AGU) expediu uma medida cautelar pedindo que o processo de reintegração de posse passasse para a competência federal, porém a Justiça Federal de São José dos Campos recusou a medida.

Num último lance da disputa, uma oficial de Justiça chegou a se deslocar ontem cedo até a ocupação para entregar uma decisão do juiz federal, de plantão, Samuel de Castro Barbosa Melo, que suspendia o despejo. A ordem era direcionada a PM, Polícia Civil e Guarda Municipal, mas segundo a oficial, quem recebeu o documento foi o juiz estadual Rodrigo Capez. Ainda segundo a oficial de Justiça, o magistrado disse que havia um "conflito de competências" e que não iria acatar a ordem da Justiça Federal.

O ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, afirmou ontem que tinha recebido a garantia do governador Geraldo Alckmin (PSDB) que a reintegração de posse seria pacífica e que a PM estava preparada para cumprir a decisão com tranquilidade. Ao GLOBO, ele evitou opinar sobre o desfecho da desapropriação.

- Não vou fazer comentário sobre o episódio. Farei uma avaliação detalhada deste quadro. (Ontem) Pela manhã, falei com o governador Alckmin que me informou que havia uma ordem judicial para desapropriar a área. E disse que a Polícia Militar estava preparada para cumprir a ordem judicial de forma tranquila - disse Cardozo.

O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, disse que quando há conflito entre decisões das Justiças Estadual e federal, o correto é suspender as providências e aguardar a posição final do Superior Tribunal de Justiça.

Já senador Eduardo Suplicy (PT-SP) disse que ficou surpreso com a reintegração, pois, segundo ele, os governos municipal, estadual e federal estudavam a possibilidade de regularizarem a área. A ideia era reconhecer o terreno como sendo de interesse social.

Polícia diz ter localizado armas

Com o apoio de dois helicópteros, 220 viaturas, 40 cães e 100 cavalos, cerca de dois mil policiais participaram da operação, que começou pouco antes das 6h. Numa tentativa de deter o avanço da PM, moradores montaram barricadas e atearam fogo em pelo menos seis carros - entre eles, um da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo. A polícia usou um carro blindado para abrir caminho em meio ao enfrentamento. No início da tarde, as pistas da Via Dutra, sentido São Paulo-Rio, chegaram a ser fechadas por quase 40 minutos por aproximadamente 300 pessoas. A PM dispersou o protesto.

A polícia informou ter encontrado armas brancas dentro de casas, como lanças improvisadas e paus com pregos na ponta. O terreno do Pinheirinho foi ocupado há 8 anos e pertence à massa falida da empresa Selecta, do investidor Naji Nahas. No local, viviam cerca de 1.600 famílias ( 5.500 pessoas), segundo a Prefeitura. Com o tempo, a área se tornou um bairro, com comércio variado e igrejas.

Alckmin: ação foi legítima

O homem ferido foi atingido por um tiro, passou por uma cirurgia e está internado em estado grave no Hospital Municipal da cidade, segundo a Secretaria de Saúde local. Ele não corre risco de vida. O Comando da Polícia Militar informou que o disparo não teria sido feito pelo policiamento, que estaria usando somente gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha. De acordo com a PM, o rapaz foi ferido por um Guarda Civil Metropolitano (GCM) ao invadir o Centro Poliesportivo do Campo dos Alemães, local onde tendas foram montadas para que os moradores fossem encaminhados ao sair das casas. A PM considerou a ação "tranquila"

- Considerando o tamanho da área e da operação, constatamos que foi uma ação tranquila.- afirmou o capitão Antero Alves Baraldo, chefe de Comunicação do Comando Leste da PM paulista.

O governador Geraldo Alckmin afirmou ontem, através da sua assessoria de imprensa, que considerou legítima a ação da Polícia Militar na desapropriação da área do Pinheirinho, ao agir para o cumprimento de uma decisão judicial. Ele confirmou ainda que, pela manhã, conversou por telefone com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que pediu a intervenção do governador no caso, com autoridades da cidade e parlamentares.

(*) Enviada especial

COLABORARAM: Gerson Camarotti e Silvia Amorim