Título: Petróleo iraniano não entra
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Fonte: O Globo, 24/01/2012, O Mundo, p. 24

Embargo europeu desafia economia de Teerã, que se diz vítima de "guerra psicológica"

O Irã desdenhou. Voltou a prometer o fechamento do Estreito de Ormuz e chegou até a ameaçar que tornaria o mundo "um lugar inseguro para os americanos" depois que os 27 países da União Europeia confirmaram um embargo total ao petróleo iraniano a partir de 1 de julho - ganhando elogios de Estados Unidos e Israel. As potências europeias fizeram questão de lembrar, entretanto, que a porta do diálogo sobre o suspeito programa nuclear iraniano continua aberta. Mas, com a economia cada vez mais fragilizada, restou a Teerã apelar ao confronto retórico diante do risco de perder os lucros de 18% de suas exportações de petróleo, destinadas à UE, seu segundo maior cliente.

"Até o Irã voltar à mesa, continuaremos unidos com fortes medidas para reduzir a capacidade do regime de financiar seu programa nuclear. A porta está aberta para que o Irã entre em negociações sérias e significativas", advertia o comunicado conjunto de França, Alemanha e Reino Unido.

Apesar do apelo às negociações, as sanções europeias - as mais duras do bloco até agora - causaram indignação no Irã. O porta-voz da Chancelaria Ramin Mehmanparast classificou as medidas como "guerra psicológica". O primeiro escalão do governo não se pronunciou - provavelmente devido à iminência da visita de uma alta comitiva da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), cujo desembarque em Teerã está previsto para domingo. Enquanto fontes diplomáticas garantiam que o governo só emitirá um parecer oficialmente em 11 de fevereiro, coube ontem aos aliados do regime, tanto do aiatolá Ali Khamenei como do presidente Mahmoud Ahmadinejad, condenar o posicionamento europeu.

- O melhor é que nós interrompamos o fornecimento antes da implementação do plano - desafiou o ex-ministro da Inteligência Ali Fallahian.

Já o vice-presidente da Comissão de Segurança Nacional e Política Externa do Parlamento, Mohammed Kousari, preferiu ameaçar com o fechamento do Estreito de Ormuz.

- Se os ocidentais desistirem de comprar o petróleo do Irã, nós venderemos a outros países, mas se houver alguma interrupção na venda do petróleo do Irã, seguramente fecharemos o estreito. Se for fechado, os EUA e seus aliados não serão capazes de abri-lo - declarou.

País pede para receber em ienes, na Turquia

O plano europeu determina o congelamento de bens do Banco Central do Irã e a proibição de todo o comércio de ouro, além de outros metais preciosos com o país. A medida mais dura, o embargo ao petróleo, será adotada progressivamente. Desde ontem, novos contratos estão proibidos, e os atuais podem ser cumpridos até 1 de julho. Em maio, a UE se reunirá novamente para avaliar as restrições. O prazo de seis meses pra o bloqueio total tem dois objetivos: permitir que Itália, Grécia e Espanha, os maiores compradores europeus do petróleo iraniano - e, curiosamente, os países mais fragilizados pela crise na zona do euro - encontrem fornecedores alternativos e, fazer com que, neste ínterim, Teerã decida negociar com o Ocidente.

- O Irã deve oferecer algum material concreto para discussão. É muito importante que não haja só palavras; um encontro não é uma desculpa. Um encontro é uma oportunidade - disse a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton.

Israel e os EUA rapidamente comemoraram o anúncio do pacote europeu. Em um comunicado conjunto, o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, e a secretária de Estado Hillary Clinton elogiaram "outro passo positivo" e anunciaram sanções a outro banco iraniano. Do outro lado da arena política, porém, o chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, condenou manobras unilaterais "que não fazem as coisas avançarem".

Teerã alega que as vendas de petróleo para a Europa significam "apenas" 18% das exportações. O país também se gaba de ter clientes como o Sri Lanka, Índia, China e Turquia, bastante dependentes de sua produção - e sem a menor intenção de suspender os negócios. Mas a economia começa, sim, sentir os efeitos do arrocho internacional. O rial, a moeda local, já perdeu 35% de seu valor desde setembro. Também está mais complicado para o governo receber seus dividendos: Teerã teria pedido, por exemplo, para que a Índia, de quem recebe US$ 9,5 bilhões por ano em lucros do petróleo, fizesse os pagamentos em ienes japoneses através de um banco na Turquia.

A inflação descontrolada faz os preços mudarem da noite para o dia, deixando os cidadãos sentirem, de fato, o peso da punição internacional - fator fundamental para o desfecho da crise em nível político. Em março, os iranianos votam em eleições parlamentares, no primeiro pleito desde a controversa reeleição de Ahmadinejad, em 2009, e da onda de protestos violentamente suprimidos no país. Resta saber se a insatisfação com a qualidade de vida em queda será creditada ao governo ou ao "Ocidente hostil" alardeado pelos aiatolás. E o impacto disso nas urnas.