Título: Governo: especulador europeu faz dólar cair no país
Autor: Valente, Gabriela; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 24/01/2012, Economia, p. 22

Fundos tomam dinheiro na zona do euro para aplicar no Brasil. Moeda americana cai pelo 6º dia, a R$1,752

BRASÍLIA e RIO. O agravamento da crise na Europa aumentou a atratividade do Brasil para investidores estrangeiros e pressiona, cada vez mais, a cotação do dólar comercial para baixo. Ontem, a queda foi de 0,4%, a R$1,752, a sexta seguida. Técnicos do governo identificaram uma fuga de aplicações na zona do euro por bancos e empresas, que migram para mercados emergentes, investindo tanto em ações quanto em renda fixa. Esse movimento ajudaria a explicar o recuo de 6,26% do dólar neste início de ano.

Nessas operações, investidores tomam recursos emprestados na Europa - que tem juros mais baixos para combater a crise - para aplicar no Brasil, país com as maiores taxas do mundo. A operação é conhecida no mercado como carry trade.

De acordo com integrantes da equipe econômica, era normal o movimento de fundos que tomavam empréstimos em ienes para aplicar no Brasil. Agora, instituições financeiras, fundos, hedge funds (que buscam proteção de variações nas cotações) e outros agentes econômicos - principalmente europeus - estão apostando na queda da moeda comum europeia e na alta da brasileira. O governo sabe que não há muito a se fazer agora.

- Não adianta puxar o freio de mão no meio de um quadro ainda muito incerto - disse um técnico. - O mundo inteiro está apostando contra o euro - acrescentou.

Por enquanto, o Banco Central (BC) atuará no mercado, se a cotação da moeda americana continuar em queda. Eventuais ajustes do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) podem ser feitos - não neste momento - e não terão tanto efeito, considerando que o Brasil continua pagando uma remuneração muito elevada por causa dos juros. Ontem, no mercado financeiro, aumentaram os rumores de que o BC poderá atuar se o dólar cair abaixo de R$1,70.

A equipe econômica já fixou um IOF de 6% para empréstimos de empresas no exterior com prazos inferiores a 720 dias. Operações com prazos superiores a esse não foram taxadas, porque o governo entende que elas têm o papel de estimular o investimento de qualidade (e não especulativo no país).

No entanto, em um momento em que as opções para obter lucros ficaram reduzidas no mundo inteiro, os aplicadores preferem vir para o Brasil esperar o prazo superior a 720 dias. Essas operações registraram uma entrada de US$26,5 bilhões - já descontadas todas as saídas - no mercado brasileiro de janeiro a novembro. Em 2010, o resultado líquido foi de somente US$ 6,2 bilhões no mesmo período.

- Não se transacionava tanto dinheiro por essa conta - disse Alfredo Barbutti, economista da corretora BGC/Liquidez. - É um claro sinal de que é mesmo uma aposta contra a moeda, porque esse dinheiro não tem hedge (proteção contra variação cambial).

Barbutti afirmou que é impossível saber o que é feito com o dinheiro depois de transformado em reais e que o BC tinha de monitorar isso com uma análise detalhada de setor para setor.

Euro tende a seguir se desvalorizando

Para Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora, é evidente que o euro se desvalorizará daqui em diante. A seu ver, a recente recuperação vista nos últimos dois dias é pontual. O euro avançou ontem 0,66%, a US$1,3013, em dia de desvalorização do dólar em todo o mundo.

Apesar dos receios com a dívida da Grécia, as bolsas europeias fecharam em alta ontem, antes do fim do encontro de ministros de Finanças na Europa. Londres subiu 0,94%, Paris avançou 0,51% e Frankfurt teve alta de 0,5%. Nos EUA, os índices ficaram estáveis. O S&P 500 subiu 0,05%, mas Dow Jones e Nasdaq caíram 0,09% cada.

No ano, porém, o euro acumula queda de 0,4%, segundo a agência Bloomberg News. Nehme explicou que o Banco Central Europeu tem dado liquidez ao mercado para facilitar a rolagem de títulos das dívidas:

- Se ele inunda o mercado com liquidez, deprecia o euro. É a mesma coisa que os EUA fizeram e, na época, o Guido Mantega (ministro da Fazenda) denominou de guerra cambial.

COLABOROU Vinicius Neder