Título: Temor com liquidez na UE derruba bolsas no mundo
Autor: Neder, Vinicius
Fonte: O Globo, 29/12/2011, Economia, p. 19

Desconfiados, bancos relutam a emprestar. Índices de Wall Street caem mais de 1%. Bovespa recua 2,54%

OPERADORES OBSERVAM um painel na Bolsa de MIlão: desconfiança no mercado

NOVA YORK, RIO, MILÃO, MADRI e LONDRES. Os mercados reagiram ontem com pessimismo à divulgação de um relatório do Banco Central Europeu (BCE), revelando que os bancos da zona do euro estão estocando, em vez de emprestar, o dinheiro injetado neles pela instituição. Isso pôs em dúvida a eficácia da estratégia do BCE para fazer fluir o crédito na região. A preocupação de um aperto na liquidez obscureceu o bem-sucedido leilão de títulos a curto prazo do Banco Central da Itália, reforçando as nebulosas expectativas para a economia global em 2012.

- Os bancos europeus ainda estão preocupados, o que não é um bom sinal - disse Karl Schamotta, estrategista-sênior da consultoria Western Union Business Solutions. - Isso reforça a hipótese de que este nó de liquidez esteja piorando e crescerá no próximo ano.

Em Wall Street, o índice S&P 500 apagou os ganhos registrados na sequência de altas da semana passada. O indicador encerrou o pregão ontem com queda de 1,22%. O Dow Jones, por sua vez, perdeu 1,07% e o Nasdaq, 1,35%. Já os papéis europeus, que abriram em alta, inverteram a tendência, acompanhando Wall Street. O DAX, de Frankfurt, perdeu 2%; o FTSE, de Londres, perdeu 0,1%; e o parisiense CAC-40 caiu 1%. Na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o Ibovespa, índice de referência, caiu 2,54%, aos 56.533 pontos, em mais um dia de movimento fraco, com R$3,655 bilhões negociados. O índice acumula perda de 18,43% em 2011, faltando um dia para a Bolsa encerrar o ano, pois amanhã não haverá pregão.

Goldman Sachs prevê fim da época de ouro dos Brics

No mercado de câmbio, o dólar se valorizou ante a maioria das moedas. O euro caiu 1,03% perante a moeda americana, a US$1,2936. No Brasil, o dólar comercial fechou em alta de 0,75%, a R$1,872 na compra e a R$1,874 na venda. Faltando apenas mais um pregão para fechar o ano, a moeda americana acumula alta de 12,48%.

O BCE revelou que os bancos europeus estacionaram 452 bilhões na instituição, reduzindo a liquidez do mercado. Este valor supera o recorde anterior de 411,8 bilhões, na segunda-feira. Estes números refletem a grande desconfiança entre os bancos e indicam que, em vez de emprestarem entre si, as instituições preferem guardar o dinheiro no BCE, mesmo recebendo juros mais baixos, num eco do que ocorreu na sequência do colapso do banco Lehman Brothers, em 2008.

A política do BCE de injetar dinheiro nos bancos da zona do euro para estimular o crédito fez seu balanço patrimonial saltar para o patamar recorde de 2,73 trilhões. Os empréstimos para os bancos da região subiram de 214 bilhões para 879 bilhões na semana encerrada em 23 de dezembro, revelou o BCE.

Já o Banco da Itália disse ontem que o ágio cobrado sobre sua oferta de 9 bilhões em títulos soberanos de curto prazo (seis meses) foi de 3,251%, metade dos 6,504% que o BC italiano teve que pagar num leilão semelhante no mês passado. O ânimo, no entanto, durou pouco, com analistas alertando que esse resultado não significa o fim da crise da dívida. Novos leilões, inclusive o de hoje, de longo prazo (dez anos), é que oferecerão um quadro mais preciso da percepção do mercado com respeito à situação fiscal do país.

O novo governo espanhol, por sua vez, anunciou o congelamento em 2012 do salário mínimo mensal em 641,4, apesar da reivindicação dos sindicatos de um aumento. Esta é a proposta que o Executivo do recém-empossado presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy, enviou aos sindicatos ontem e que deverá ser aprovada no Conselho de Ministros na próxima sexta-feira. As centrais sindicais pediram por carta divulgada no dia 15 de dezembro que o governo elevasse o salário mínimo em 2012 para corrigir a perda acumulada do poder aquisitivo em 2010 e 2011 que, segundo os sindicatos, situa-se em torno de 3%.

O risco de contaminação da crise global nos mercados emergentes levou o banco Goldman Sachs a prever que a era de expansão dos Bric (grupo composto por Brasil, Rússia, Índia e China) chegou ao fim. Na década passada, lembra o banco, os fundos investiram quase US$70 bilhões nos quatro países emergentes. As ações mais do que quadruplicaram de valor no índice S&P 500 e essas economias cresceram quatro vezes mais rapidamente do que os Estados Unidos.

Agora, o Goldman Sachs, que criou a expressão Bric, afirma que o melhor acabou para a maioria dos grandes países emergentes. Os fundos Bric registraram uma saída de US$15 bilhões este ano, à medida que o índice MSCI BRIC encolheu 24%. O medidor, que superou o desempenho do S&P 500 por 390 pontos percentuais entre novembro de 2001 e setembro de 2010, tem registrado queda por cinco trimestres consecutivos, o maior período desde que o Goldman Sachs previu que os países se juntariam aos EUA e ao Japão como as economias fortes em 2050.

- Nos mercados emergentes, as coisas vão ficar ruins antes de melhorarem - previu Michael Shaoul, presidente do Marketfield Asset Management, em Nova York. (Vinicius Neder, com "El País", Bloomberg News e agências internacionais)