Título: Brasileiros nunca gastaram tanto lá fora
Autor: Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 25/01/2012, Economia, p. 21

Banco Central acredita que as despesas no exterior cresçam mais devagar este ano

BRASÍLIA e RIO. Não é à toa que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou que facilitará a entrada no país de turistas do Brasil. Em 2011, os brasileiros quebraram todos os recordes quando o assunto é gastar no exterior. Só no ano passado, os turistas deixaram US$21,2 bilhões lá fora: 29% a mais que no ano anterior. Foi o maior volume desde quando o Banco Central (BC) começou a registrar os dados, há 64 anos.

Foi uma surpresa para a autarquia monetária, que previa números menores no início do ano passado. Para o BC, a tendência é que tanto gastos de brasileiros no exterior quanto de estrangeiros aqui cresçam mais lentamente de agora em diante. A crise na Europa terá seu papel nesse desaquecimento, mas o câmbio será o principal responsável pela expansão menor nos gastos. A moeda está mais cara do que no início de 2011. Em janeiro do ano passado, o dólar era vendido a R$1,67, e no inicio deste ano, a cotação está em torno de R$1,75.

- O crescimento das despesas com viagens deve ser mais moderado daqui para a frente - disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel. - Temos a visão de que o turista brasileiro será mais cauteloso com seus gastos.

Até o gasto de turistas estrangeiros aqui foi recorde. Apesar de ser bem inferior às despesas de brasileiros lá fora, alcançou US$6,8 bilhões. Valor recorde, também, desde 1947.

- O Brasil cresceu mais do que a média mundial - disse o presidente da Embratur, Flávio Dino.

Segundo ele, o turismo de estrangeiros no mundo cresceu em média 4% no ano passado. Já no Brasil aumentou 14%. Para Dino, essa expansão é um problema bom, porque significa um aumento da renda do trabalhador. um reflexo da ascensão da nova classe média, que teria começado a visitar outros países. Mas essa informação não se sustenta, segundo o professor do Ibmec Ruy Quintans:

- Não há na classe C quem gaste US$5 mil em viagens para o exterior. Classe C assim, só na Suíça.

Quintans afirma que a tendência é aumentar ainda mais os gastos com viagens daqui para a frente, por causa do crescimento da renda e, ainda, por um fator bem brasileiro: é um povo que não se preocupa tanto com patrimônio e poupança e tende a gastar tudo o que ganha.

Oito vezes no exterior nos últimos cinco anos

A produtora de cinema Paula Lagoeiro mudou o itinerário das suas viagens. Com a melhora na economia brasileira, ela conta que viajou oito vezes para o exterior nos últimos cinco anos, a maioria para os Estados Unidos e a Argentina. A próxima será uma viagem de 15 dias para a Califórnia. Vai levar US$2 mil para gastar, sem contar passagem e hospedagem.

- Antes, costumava viajar mais pelo Brasil, mas com a melhora da economia, tenho conseguido viajar para fora. Prefiro usar dinheiro. O cartão de crédito fica atrelado à cotação do dólar.

Para organizar os gastos e não cair no "deslumbramento da classe média", ela passou a fazer um fundo de viagem, para o qual separa um valor mensal variável.

- Nos EUA, planejo compras de eletroeletrônicos e roupas, que são muito mais baratos. Na Argentina, compro mais coisas pequenas, como chocolates e livros. Na última vez que fui a Buenos Aires, em dezembro, gastei R$600 em uma semana - explica ela.

Ex-comissária de bordo, Sheila Cruz diz que passou a viajar para o exterior com a família - o marido Francisco e o filho Gabriel, de 11 anos - pelo menos uma vez por ano, após se aposentar, em 2009. Depois de voltar da Disney, onde passaram 12 dias em dezembro e gastaram R$15 mil, planejam uma viagem à Europa, onde passarão 18 dias.

- Antes de viajar, costumamos analisar a moeda local e fazer uma meta de gastos em espécie. Depois disso, usamos o cartão de crédito para aproveitar as milhas. Não existe lugar melhor para comprar que nos EUA: um relógio que custa R$2 mil aqui sai por US$200 lá. Já a Europa é para passear. Nosso poder de compra nunca esteve tão alto - comemora Sheila. (Gabriela Valente e Marcio Beck)