Título: Indústria reluta em investir
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 06/09/2009, Economia, p. 22

Produção cresce há sete meses, estoques caem e a confiança está voltando aos níveis de setembro de 2008. Mas o aumento de fábricas depende da melhora do mercado internacional

Com a redução do IPI, vendas de automóveis já superam às do ano passado. Fôlego maior da indústria está associado a mais crédito e exportações

Depois de ir ao fundo do poço no fim do ano passado, com a produção caindo quase 15% em três meses e recuando aos patamares de 2006, a indústria brasileira começa a entrar em velocidade de cruzeiro. Setor mais afetado pelo estrago provocado pelo estouro da bolha imobiliária americana, está em expansão contínua há sete meses. E, dada a velocidade atual, tudo indica que, já no primeiro trimestre de 2010, terá zerado todas as suas perdas. O grande nó ainda a ser desatado é o do investimento. A produção de máquinas e equipamentos avançou 8,9% de junho para julho. Mas, com a ociosidade elevada ¿ o uso da capacidade instalada está 5,2 pontos percentuais abaixo dos 84,5% anotados em setembro de 2008 ¿, dificilmente os empresários vão retirar tão cedo os projetos de expansão engavetados pelas turbulências.

¿A crise pegou a indústria em cheio, principalmente o setor exportador, que continuará sofrendo, porque a economia mundial ainda levará tempo para se recompor¿, afirma o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. ¿Portanto, somente em 2010, veremos maior disposição das empresas em tocar projetos novos, de expansão¿, assinala. Mas os bons ventos já são percebidos na maior parte da indústria, a ponto de o índice de confiança do empresariado ter voltado ao nível mais alto em um ano: 105,7 pontos, nas contas da Fundação Getulio Vargas (FGV). Trata-se de um avanço e tanto, que foi possível graças ao incremento das vendas do comércio (+5,5% nos primeiros seis meses do ano), fundamental para ajudar a reduzir o excesso de estoques.

Outro bom sinal captado no radar dos analistas foi o crescimento disseminado da produção. Até junho, a reação estava concentrada, sobretudo nos setores beneficiados pelo governo com o corte de impostos (carros, eletrodomésticos e materiais de construção). ¿A redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) deu força à recuperação da indústria. Mas também foi importante o retorno do crédito ¿, diz Rogério César de Souza, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Armando Monteiro, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), acrescenta: ¿O crescimento de amanhã é o investimento de hoje¿. Nos três primeiros meses do ano, a taxa de investimentos ficou em minguados 16,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Antes da crise, o indicador havia superado os 20%. ¿Ainda assim, era uma taxa bem baixa se comparada à da China, de 40% do PIB, e à da Índia, de 36%¿, afirma José Ricardo Roriz, diretor de competitividade e tecnologia da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).

Países rejeitam protecionismo

LUCIANO PIRES

A histeria generalizada derrubou em mais de 30% o fluxo de comércio internacional, mas, ao contrário de outras crises, a provocada pelo estouro da bolha imobiliária americana não despertou a sanha protecionista dos países. Exportações e importações travaram por falta de crédito, que, de um dia para o outro, desapareceu das prateleiras. O Brasil só não foi mais afetado porque, além de o Banco Central ter suprido os exportadores com dólares, as vendas de commodities (matérias-primas agrícolas e metálicas) não acompanharam o tombo dos negócios com produtos manufaturados, de valor agregado mais alto. Esse é um dos motivos de o saldo comercial deste ano ter alcançado US$ 19,9 bilhões, quantia 18% maior que o registrada em igual período de 2008. ¿As exportações brasileiras caíram, mas as importações caíram muito mais devido à retração da atividade interna¿, explica a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif.

O saldo comercial maior e a volta dos investidores estrangeiros à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), cujo índice de lucratividade voltou aos níveis de julho de 2008, permitiram ao Banco Central elevar as reservas internacionais do país, de US$ 205 bilhões, no auge da crise mundial, para mais de US$ 214 bilhões. ¿Isso é reflexo da confiança dos investidores no Brasil. O fato de o governo ter construído e mantido políticas macroeconômicas responsáveis ao longo de anos fez com que o país mudasse de patamar¿, diz Roberto Faldini, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Para Roberto Segatto, presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), olhando para trás, é possível dizer que o Brasil se saiu bem e fortalecido da crise. Na avaliação de Armando Monteiro Neto, presidente da CNI, o maior desafio do setor produtivo exportador, daqui por diante, será redimensionar seus espaços. ¿O setor mais desafiado é a indústria, porque precisará se reinserir de um modo diferente para manter ou retomar posições no setor externo¿, afirma. A recomendação vale, sobretudo, para os fabricantes de têxteis e calçados, que há anos enfrentam crises . (Colaborou Vicente Nunes)

Memória Dívidas insustentáveis

O estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos era questão de tempo. Desde 2001, com o Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano, praticando juros baixíssimos, de 1% ao ano, a maior economia do mundo se atolou em dívidas. Em 2007, com o aumento do custo do dinheiro para controlar a inflação, muita gente foi ficando sem condições de honrar seus compromissos em dia. O problema é que o endividamento exacerbado deu origem a uma série de papéis, que se espalharam pelas principais economias do planeta. Muitos desses títulos representavam créditos de péssima qualidade, os subprimes.

Como houve um calote em cascata, os bancos que carregavam esses papéis e seguradoras que davam garantias às operações, entre elas, a AIG, começaram a ruir. O primeiro dos grandes bancos americanos a quebrar foi o Bear Stearns, cujos negócios foram assumidos pelo JP Morgan. Em 15 de setembro de 2008, o governo americano deixou o Lehman Brothers quebrar. Mas não imaginava o tamanho da ramificação do banco pelo mundo. Ruíram conglomerados financeiros na Europa, no Japão, na Ásia, na Austrália. Os governos tiveram que lançar pacotes monstruosos para recompor o crédito e a confiança, evitando a quebradeira geral. O mundo entrou em recessão, da qual só deve começar a sair no fim deste ano. (Vicente Nunes)

G-20 aperta os bancos

O presidente da consultoria Macroplan, Cláudio Porto, está convencido de que a solidez do sistema financeiro foi essencial para que o Brasil atravessasse de pé o primeiro ano da crise mundial. ¿O saneamento promovido pelo Banco Central nos anos 1990 tanto nos bancos privados quanto nos bancos públicos permitiu que o sistema se consolidasse. Também ajudou o fato de a regulação do país não autorizar a exposição aos riscos que levaram instituições do mundo inteiro para o buraco¿, diz. A firmeza desses bancos permitiu ao Banco Central destravar rapidamente os canais do crédito. Primeiro, voltaram os financiamentos às pessoas físicas. Agora, estão sendo abastecidas as empresas.

Para a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif, é importante destacar o papel desempenhado pelos bancos públicos no meio da crise. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) ocuparam rapidamente os espaços deixados pelas instituições privadas. E, além de terem ofertado mais crédito, derrubaram as taxas de juros. ¿Esse movimento foi importante para restabelecer a normalidade do mercado. Mas, daqui por diante, é importante que o crédito seja puxado pelos bancos privados. Não se pode concentrar a maior parte dos riscos do sistema junto aos bancos públicos¿, afirma.

O exemplo dos bancos brasileiros deve ser seguido pelas instituições dos países mais afetados pela crise. Em Londres, os líderes de Finanças do G-20, grupo que reúne as 20 economias mais ricas do planeta, decidiram ontem apoiar um plano dos Estados Unidos para que os bancos detenham mais capital e de maior qualidade, resolvendo divergências sobre que normas adotar sobre o tema, conforme ressaltou a agência Reuters. Ao longo das conversas, surgiram divergências quanto ao aperto na regulação bancária mundial. Representantes de alguns países reclamaram do aperto nas regras, alegando que as propostas dos EUA já se enquadram à Basiléia II, acordo que rege o sistema financeiro global e exige que, a cada US$ 100 emprestados, as instituições tenham US$ 8 de patrimônio. Durante a farra do mercado imobiliário americano, que resultou na crise mundial, descobriu-se que vários bancos estavam fazendo créditos até 45 vezes o seu patrimônio.

Ao mesmo tempo em que discutiam formas para tornar o sistema financeiro mais seguro, os ministros de Finanças do G-20 comprometeram-se, mais uma vez, a manter os pacotes de socorro até que a recuperação da atividade esteja assegurada. Eles não chegaram, porém, a um acordo sobre limites às gratificações a banqueiros. Para os ministros, é preciso impor restrições às bonificações, pois é inadmissível que executivos que levaram bancos para o buraco recebam prêmios milionários, como se viu no Bear Stearns, o primeiro gigante americano a ser tragado pelo fim da bolha. ¿Gratificações não podem premiar falhas ou estimular riscos¿, sentencia o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown.