Título: Dnocs é novo capítulo da mesma novela
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Fonte: O Globo, 26/01/2012, Opinião, p. 6

Para o governo Dilma Rousseff, 2011 é um ano que não acabou. Ao menos em termos de crises deflagradas no Ministério devido a evidências de "malfeitos", termo do jargão dilmista de uso de amplo espectro - designa de atos de corrupção a delitos típicos da baixa política, como o clientelismo.

Pois, de malfeito em malfeito, a presidente executou uma reforma ministerial, com a substituição de cinco ministros (Agricultura, Transportes, Turismo, Esporte e Trabalho), além de três outras mudanças causadas por motivos diversos (Casa Civil, Defesa e MEC).

Esperava-se alguma calmaria no front, depois que o caso de Fernando Bezerra (PSB de Pernambuco), ministro da Integração Nacional, apanhado na distribuição clientelista de verbas contra desastres, foi abafado com a ajuda do próprio Planalto. Mas, neste ministério, voltaram os problemas.

Com base em relatório da Controladoria Geral da União (CGU) foi exonerado, segunda-feira, Albert Gradvhol, diretor administrativo-financeiro do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), conhecido e tradicional - foi fundado em 1909 - instrumento de manipulação política de verbas públicas no Nordeste. A CGU esquadrinhou a contabilidade do departamento e encontrou uma perda para os cofres públicos de R$312 milhões na má gestão de pessoal e compras, para variar, superfaturadas. Também entrou na mira do Palácio o diretor-geral do departamento, Elias Fernandes. No caso de Gradvhol, foram atingidos interesses do PMDB do Ceará. No de Elias, contrariou-se o próprio líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Alves (PMDB-RN), ontem inconsolável com a pressão sobre o apadrinhado.

Tanto Gradvhol quanto Fernandes, como é norma nesses casos, trabalharam para destinar dinheiro do contribuinte para suas bases regionais, Ceará e Rio Grande do Norte. Não surpreende, mas assusta como a máquina pública foi nos últimos anos intoxicada por práticas clientelistas.

Chegamos aos píncaros do absurdo, com a cena inspirada no realismo fantástico latino-americano em que um ministro acusado de manejar verbas em favor de suas bases cearenses é forçado a coibir prática idêntica executada num departamento do seu ministério.

É mais um capítulo da conhecida novela da degradação da administração pública causada pela norma lulopetista de barganhar cargos pela via do fisiologismo, do toma lá dá cá. A crise no Dnocs é didática: Henrique Alves procura proteger Fernandes como se fosse "patrão" e dono dele. Ele não é um servidor do Estado, mas do PMDB do deputado. E quem paga é o contribuinte.

Enquanto isso, Dilma, limitada por este imperativo da realidade, tenta preencher cargos com pessoas de algum nível técnico, mas sem desarrumar o esquema de doação de glebas da máquina pública a partidos aliados. Afinal, foi esta receita que a ajudou na eleição e sustenta o governo no Congresso.

Haja malabarismos. A gestão Lula foi afetada, no final, pela maior crise global desde a década de 30, enquanto a presidente não deverá provar da bonança mundial que ajudou o companheiro durante quase todos os dois mandatos. Dilma tem, portanto, de exigir alguma eficiência da equipe.

Mas o esquema fisiológico lulopetista serve apenas para ganhar eleição e manter controle do Congresso. Não serve para governar na adversidade. Eis o problema.