Título: Condenação social
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 06/09/2009, Saúde, p. 29

Dissertação de mestrado apresentada na UFSC mostra como o câncer de mama causa mais mortes em mulheres jovens, não brancas e analfabetas

Para tentar fazer com que mulheres de todos os estratos sociais possam ter acesso a informação e a um tratamento adequado, manifestações de combate ao câncer de mama vêm ganhando adesões e importância Ronaldo de Oliveira/CB - 29/5/07

Para mulheres jovens, não brancas e analfabetas, o diagnóstico de câncer de mama é uma condenação à morte. Enquanto pessoas que recebem tratamento na fase inicial, quando o tumor é menor que 1cm, têm 100% de chances de sobreviver, as vítimas das desigualdades raciais e sociais, dependendo da variável, possuem menos de 50% de possibilidade de continuarem vivas. A conclusão é da dissertação de mestrado da fisioterapeuta Ione Joyce Ceola Schneider, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Com base em mais de mil prontuários de dois centros de alta complexidade em oncologia localizados em Florianópolis, ela dividiu os dados em relação a idade, escolaridade e raça. Descobriu que, passados cinco anos do registro dessas mulheres nos hospitais, as chances de sobrevida estavam associadas diretamente às variáveis sociológicas. Segundo Ione, as mais significativas referem-se ao grau do estudo e à idade das pacientes. Das que possuíam nível superior, 92,2% continuavam vivas no período de 60 meses. Já as analfabetas tiveram um risco 7,4 vezes maior de morrer, comparadas às graduadas.

A pesquisadora, que há seis anos trabalha numa clínica de mastologia, constatou que, conforme aumenta a escolaridade, crescem as chances de sobreviver. Pacientes com ensino fundamental tiveram sobrevida de 73,6% na fase analisada, e as com ensino médio apresentaram percentual de 84%. ¿Nós já sabíamos que a escolaridade interfere no diagnóstico, mas eu não imaginava que influenciasse na sobrevida de mulheres já diagnosticadas¿, diz Ione.

Ela atribui a constatação ao fato de que, para pessoas analfabetas, o nível de informação é bem menor. ¿A informação é extremamente importante. Se o paciente não conhecer cada etapa do tratamento e para que ele serve, não vai ter motivação para seguir em frente, porque é um tratamento complexo, agressivo e difícil. Quanto maior a informação, melhor a qualidade de vida¿, observa.

Palavra maldita Coordenadora das voluntárias da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Brasília, organização não governamental que atua há 13 anos no Distrito Federal, Vera Lúcia Rezende está acostumada a lidar com pacientes que chegam ao Hospital de Base sem saber o que têm. ¿Elas vêm de todos os estados do país e muitas chegam sem mamografia, outras sem diagnóstico. As que já estão diagnosticadas têm dificuldade de falar `câncer¿. Elas usam expressões como `aquela doença¿, `problema sério¿. Não sabem nem o que é¿, conta.

Para a voluntária, o problema está na rede de atenção básica, onde as pacientes deveriam ter acesso à prevenção. ¿Aqui, no Hospital de Base, o tratamento é excelente. Mas elas já chegam bem comprometidas, num estágio avançado, onde já não há mais quase nada a fazer. Esse trabalho tinha de ser feito lá atrás¿, acredita. O presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Ricardo Chagas, diz que uma das dificuldades mais comuns encontradas por mulheres de baixa renda é o acesso ao diagnóstico. ¿Os aparelhos existem, mas faltam funcionários especializados para realizar o exame e, para conseguir fazer a biópsia, levam meses¿, conta.

Ele acredita, contudo, que nem mesmo o fato de o Ministério da Saúde ter publicado recentemente uma portaria que garante o acesso de mulheres a partir de 40 anos às mamografias vai mudar essa realidade, caso elas não consigam, depois disso, o tratamento adequado. ¿Não adianta ter uma mamografia na mão e não conseguir tratamento¿, diz. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o tempo de espera entre o diagnóstico e o início do tratamento costuma ser de, pelo menos, seis meses.

O valor do tempo Moradora do Gama, a dona de casa Maria Lucília da Silva, 52 anos, descobriu que tinha câncer de mama há duas décadas. ¿No exame de toque, descobri um pequeno nódulo ente a mama e a axila. O ginecologista me mandou fazer a mamografia.¿ Na época com 32 anos, ela não conseguiu marcar o exame pela rede pública. ¿Se essa lei já estivesse em vigor, não ia adiantar nada para mim, por causa da idade¿, ressalta. Precisou da ajuda do patrão do marido, que é encarregado de manutenção em um hotel, para fazer o exame numa clínica particular. ¿Hoje, não é tão caro, mas na época era muito difícil¿, conta.

No Hospital Regional do Gama, ela fez uma punção que demorou um mês para ficar pronta. ¿Eu fui bem atendida, mas o problema é conseguir pegar o resultado. Para quem tem câncer, o tempo é precioso¿, diz. No Hospital de Base, o processo foi rápido. Assim que chegou com os exames, deu entrada ao prontuário e, 32 dias depois, fez a cirurgia, na qual teve de retirar as duas mamas. Durante o tratamento de quimioterapia, porém, teve de recorrer novamente ao patrão do marido. Faltava um remédio na rede pública, e ela precisou comprá-lo.

Passados 20 anos, Lucília faz exames ginecológicos periódicos, mas está frustrada com a demora para pegar os resultados. Há três semanas ela vai a um posto de saúde do Gama tentar buscar o resultado e marcar a consulta, sem sucesso. ¿Uma vez que você tem histórico de câncer, é preciso intensificar a prevenção. Mas aí esbarra na fragilidade do sistema de saúde¿, reclama. Cinco anos atrás, ela resolveu ajudar outras mulheres que sofrem com o problema e se tornou voluntária da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Brasília.

Mortalidade alta No ambulatório do Hospital de Base, vê histórias parecidas com a dela. ¿Enquanto, no resto do mundo, a mortalidade por câncer de mama está caindo, no Brasil ela continua alta¿, reclama a fisioterapeuta Ione Joyce Ceola Schneider, que também é voluntária numa ONG que atende pacientes em Florianópolis. Ela destaca o alto índice de mortalidade encontrado em sua pesquisa quando se faz o corte de idade. Provavelmente porque o câncer é mais agressivo em mulheres mais jovens, somente 47% das pacientes com menos de 30 anos sobreviveram depois de cinco anos de tratamento.

No Brasil, o Inca estima que, neste ano, 50 mil novos casos de tumores na mama vão aparecer. Agora, Ione iniciou um doutorado para avaliar como os médicos lidam com as pacientes que sofrem com a doença. ¿Se os profissionais de saúde não se envolverem e se dedicarem mais, cada vez a mortalidade vai aumentar¿, acredita.

Bazar

» A Rede Feminina de Combate ao Câncer de Brasília presta assistência psicológica e material para 190 vítimas de tumores malignos. Muitas não têm dinheiro nem para pagar a passagem de casa até o hospital. Para angariar fundos, que serão revertidos totalmente aos pacientes, a ONG vai organizar um bazar em 13 de outubro, no ambulatório do Hospital de Base. Para isso, precisa de doações de alimentos, roupas, sapatos, brinquedos, utilidades do lar e qualquer outro artigo que possa ser vendido no bazar. As voluntárias buscam os donativos em casa. Quem puder ajudar deve ligar para Vera nos telefones 3319-1221 e 8421-7268.

Condições de risco

A pesquisa catalogou 1.002 mulheres com diagnóstico de câncer de mama nos registros de dois hospitais públicos. Em cinco anos, 262 haviam morrido, das quais 235 por causa do tumor. A maioria das vítimas tinha menos de 30 anos, era não branca e analfabeta. Veja abaixo alguns resultados:

Sobrevida

12 meses 95,7% 24 meses 88,3% 36 meses 83,4% 48 meses 79,4% 60 meses 76,2%

Sobrevida em relação à idade

inferior a 30 anos 46,7% 30 a 39 anos 77% 40 a 49 anos 82,1% 50 a 59 anos 75,5% 60 a 69 anos 74,3% acima de 70 anos 70,5%

Sobrevida e fatores associados

Raça/cor

branca 76,9% negra, parda, amarela e indígena 62,2%

Escolaridade

nível superior 92,2% nível médio 84% nível fundamental 73,6% analfabetas 56%

Fonte: Sobrevida em cinco anos e fatores prognósticos em mulheres com câncer de mama em Santa Catarina, Brasil, de Ione Jayce Ceola Schneider