Título: Esperança contida
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 27/01/2012, O Mundo, p. 28
Yoani Sánchez diz que visto brasileiro não basta; viagem depende do regime cubano
A blogueira Yoani Sánchez entregou ontem seus documentos e o passaporte com o visto brasileiro à Direção de Imigração de Cuba, órgão responsável por autorizar cidadãos cubanos a viajar ao exterior. Anteontem, a Embaixada do Brasil em Havana concedeu-lhe um visto com validade de 90 dias e autorização de permanência no país por um mês. Mas a novela da cubana ainda não tem fim à vista - frustrada em suas 20 tentativas anteriores de viajar ao exterior, Yoani, em entrevista ao GLOBO, elogiou a atitude do governo do Brasil, mas não cria muitas expectativas.
- Foi um gesto lindo, mas ainda não é o suficiente - afirmou.
Entre os documentos entregues estão um certificado de antecedentes criminais e uma carta na qual esclarece quem irá pagar por sua estada no Brasil. Essas despesas ficarão por conta de três empresas de Jequié, na Bahia, onde será lançado o documentário "Conexão Cuba-Honduras", de Dado Galvão, que tem a blogueira como uma das entrevistadas.
De acordo com ela, seu passaporte está cheio de vistos, de países como Argentina, Chile e México, entre outros, mas em nenhuma ocasião o governo cubano autorizou sua saída.
- Gostaria de ter mais esperança. Tenho um passaporte com um museu de vistos - lamentou.
A cubana afirmou que para um cidadão comum de seu país - que não faz oposição ao regime - geralmente a resposta ao pleito sai em três ou quatro dias. Mas, no caso dela, demora mais. Yoani estima que só saberá a decisão do governo na semana que vem, durante a visita da presidente Dilma Rousseff. Em outras ocasiões, já chegou a esperar duas semanas para, depois, receber um "não".
Pedido de refúgio
é improvável
Embora tenha feito um gesto político em favor de Yoani, a presidente não deverá fazer o mesmo com os dissidentes, que querem encontrá-la. A diplomacia brasileira trabalha com a cultura de não intervenção em assuntos internos de outros países, e se Dilma fosse vista publicamente com a oposição daria margem para que o governo de Cuba reclamasse de ingerência.
- O Papa Bento XVI vai a Cuba e provavelmente também não encontrará ninguém da oposição - disse um interlocutor do governo para justificar que não é comum uma autoridade encontrar dissidentes em outros países.
Dilma chega a Cuba no início da noite da próxima segunda-feira. No dia seguinte, cumpre agenda oficial na ilha e vai se reunir com o presidente Raúl Castro. A agenda do encontro ainda não foi divulgada, bem como a comitiva que a acompanhará. Por enquanto, além do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, deverão integrar o grupo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, o assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, e um representante do Ministério da Saúde, que pode ou não ser o próprio ministro Alexandre Padilha. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, também poderá viajar, mas, até ontem, não havia confirmação.
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, não integrará a comitiva presidencial. Assessores de Dilma informaram que não é comum a representante dessa área acompanhar Dilma nas viagens presidenciais, a não ser que haja algum evento relacionado ao tema.
A política externa brasileira em relação aos direitos humanos tem sido a de não intervenção em assuntos internos de outros países, o que não significa que o assunto não seja discutido nos meios diplomáticos, mas sempre de forma reservada, para não irritar o interlocutor. Foi desta forma que o governo brasileiro acertou a concessão do visto para Yoani. A diplomacia brasileira mostrou aos cubanos que não era adequado tratar da questão da blogueira como um tabu. Nenhuma das partes ganharia com essa política.
Nas tratativas para a concessão do visto, o governo brasileiro recebeu uma sinalização positiva do regime de que deixaria Yoani viajar ao Brasil. A autorização deve coincidir com a chegada de Dilma à ilha.
O assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse ontem achar difícil que a blogueira peça refúgio no Brasil. Segundo o Conselho Nacional de Refugiados (Conare), 133 cubanos vivem como refugiados no Brasil.
- Acho difícil. Exilado politico não pode ter atividade política. Não me parece que ela queira isso - disse.
Para ele, o episódio não afetará o encontro entre Dilma e Raúl Castro.
Em Havana, após a concessão do visto a Yoani cresce a expectativa dos dissidentes de um encontro com Dilma. Berta Soler, porta-voz das Damas de Branco, contou ter sido impedida de viajar até Pinar del Río, ontem:
- A repressão vai continuar e aumentar (nos próximos dias). O governo cubano não quer que nenhum presidente em visita ao país se encontre com a oposição, para não ouvir o que se passa no país. Não perdemos a esperança - disse, acrescentando que a representante do grupo na Espanha encaminhou um pedido de reunião.
Elizardo Sánchez, da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, fez um pedido oficial na Embaixada do Brasil em Havana.
- Gostaríamos de ao menos dez minutos com algum membro da comitiva para falar de direitos humanos. Dilma pode pedir para que o governo nos permita o direito de ir e vir, algo que cidadãos do mundo todo já têm.
COLABORARAM: Tatiana Farah e Janaina Lage