Título: Em choque com o PTB
Autor:
Fonte: O Globo, 01/02/2012, O País, p. 3

Demitido por Mantega da Casa da Moeda diz que era alvo de dossiês e pressão

BRASÍLIA

Exonerado no sábado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, o ex-presidente da Casa da Moeda Luiz Felipe Denucci atribuiu sua demissão a uma campanha difamatória sistemática comandada pelo PTB e por fornecedores da estatal. Segundo reportagem publicada ontem na "Folha de S.Paulo", Denucci é suspeito de receber propina de fornecedores da Casa da Moeda, por meio de duas empresas, uma em seu nome e outra no nome da filha, no exterior. Essas empresas abertas em paraísos fiscais teriam movimentado US$ 25 milhões. O Ministério da Fazenda continuou em silêncio sobre a exoneração de Denucci, negando-se a fornecer qualquer explicação sobre os motivos da demissão.

Denucci desabafou com amigos que era constantemente atacado por dossiês e, mais recentemente, vinha sendo alvo de chantagem envolvendo sua família. Reclamou com esses amigos que até ontem, quase quatro dias após sua exoneração, desconhecia os motivos da sua demissão, pois apresentara um histórico de excelentes resultados da sua gestão.

O balanço da Casa da Moeda fechado na sexta-feira anterior à sua demissão exibe um lucro recorde para a instituição de R$ 517 milhões e um faturamento de R$ 2,7 bilhões. Em 2007, o lucro fora de R$ 28 milhões.

Na ausência de um posicionamento da Fazenda, Denucci mandou uma carta a Mantega anteontem, destacando os avanços de sua gestão e expondo as pressões de que vinha sendo vítima.

PTB atacava o seu antigo aliado

O PTB, que desde segunda-feira faz críticas abertas à conduta de Denucci, acusando-o de ter virado as costas para o partido após ter sido indicado pela sigla em 2008 para o cargo, voltou ontem a acusá-lo nos bastidores de corrupção e favorecimento próprio.

A queda de Denucci começou a ganhar forma na sexta-feira passada, quando ele recebeu um telefonema convocando-o para um encontro com Mantega anteontem. Denucci imaginou que seria uma conversa para comemorar o desempenho da empresa. Na própria sexta, Denucci tentou fazer contato com Mantega e foi informado que ele não estava. Pediu para falar, então, com o secretário-executivo, Nelson Barbosa, mas foi informado que ele também não estava. Foi atendido pelo subsecretário-executivo da Fazenda, Diogo Oliveira.

O assessor disse que não seria possível esperar até segunda, que o assunto era o urgente e que ele teria de estar sábado em Brasília. Denucci foi então à capital, onde coube a Diogo informá-lo que fora exonerado, sem mais explicações.

A relação de Denucci com o PTB foi conturbada desde o início. Em 2008, quando convidado por Mantega para assumir o cargo numa conversa no escritório do Ministério da Fazenda, na Caixa Econômica Federal em São Paulo, o próprio ministro avisou que ele precisaria de algum aval político. Mantega teria, então, telefonado para o deputado Jovair Arantes (GO), líder do PTB, e acertado o apadrinhamento.

A partir daí, segundo pessoas próximas a Denucci, os contatos com os representantes do PTB praticamente cessaram, o que teria irritado os políticos. De acordo com um assistente de Denucci, ele caiu em desgraça por não "criar facilidades".

Um parlamentar do PTB deu ontem o tom da relação do executivo com o partido: segundo esse petebista, logo após a nomeação, Denucci se indispôs com o partido: "Não atendia nem telefonemas e só queria conversar com o pessoal da Fazenda".

Nem o presidente do PTB, Roberto Jefferson, nem Jovair quiseram falar ontem sobre o assunto. Em conversas com interlocutores, alegam que, desde 2008, quando Jovair apadrinhou sua indicação, Denucci já enfrentava problemas com a Receita Federal e a Polícia Federal por suspeitas de enriquecimento ilícito, evasão de divisas e sonegação fiscal.

Com quebras de sigilo bancário e fiscal, a PF teria constatado, em 2000, movimentações atípicas nas contas do economista. Alguns anos depois, Denucci teria trazido US$ 1,79 milhão dos EUA sem declarar. Alegou ser um empréstimo de bancos estrangeiros e foi multado pela Receita em R$ 3,5 milhões.

Mas Denucci recorreu ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), e, em novembro de 2011, o caso foi julgado. Segundo sua defesa, ele obteve sentença favorável, e a multa da Receita foi extinta. A Receita, alegando sigilo fiscal, não deu informações.

Em agosto do ano passado, Jovair voltou à carga e foi a Mantega cobrar a demissão de Denucci da Casa da Moeda, com base em um dossiê com informações sobre a compra de um apartamento em Miami e a abertura das duas empresas offshore na Ilhas Virgens Britânicas em nome de Denucci e de sua filha, Ana Gabriela: Helmond Commercial LCC e a Rhodes Int Ventures, onde teriam sido depositados US$ 25 milhões. O dinheiro seria, segundo o dossiê, propina de dois fornecedores beneficiados com contratos na Casa da Moeda brasileira.

Ciente do novo dossiê, Denucci procurou Mantega ainda no ano passado para dizer que as informações eram "fajutas". Ele alega que nunca houve depósitos na empresa, que a offshore fora criada para a compra de um apartamento de US$ 80 mil em Miami para a mãe dele. Ela teria limitações de locomoção e não queria vir ao Brasil. A offshore foi constituída em nome de Denucci e da esposa.

Em 2002, a mãe do executivo faleceu e, no ano seguinte, a mulher dele. O executivo, segundo amigos, demorou a resolver a situação da offshore e a transferir para o nome da filha o apartamento. Para cumprir a legislação americana, contam, a offshore foi transformada em uma LLC — uma forma jurídica de empresa comum nos Estados Unidos. Antes de ser transferida para o nome da filha, a firma precisou primeiro passar pelo nome de Denucci como único sócio vivo da antiga offshore. Ainda de acordo com esses amigos do executivo, a filha de Denucci nunca deixou de declarar a LLC no Imposto de Renda.