Título: Mudança econômica causará alterações na política
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 29/01/2012, O Mundo, p. 52

corpo corpo

TED PICCONE

Após uma viagem a Cuba cheia de encontros com diplomatas, jornalistas e acadêmicos, o vice-diretor de Política Externa da Brookings Institution, Ted Piccone, voltou aos EUA convencido de que a ilha vive uma transição lenta, mas sem volta. Em conversa com O GLOBO, Piccone avalia que a abertura econômica trará mudanças sociais inevitáveis, mas haverá mais desigualdade.

O GLOBO: Já é possível perceber sinais das mudanças anunciadas por Raúl Castro?

TED PICCONE: Muito pouco. As transações de imóveis estão começando. Até então, as pessoas anunciavam em cartazes e negociavam na informalidade. O governo quer legalizar essas operações e receberá impostos sobre elas. É uma forma de combater o mercado negro. A população também poderá usar a casa como garantia para solicitar empréstimos bancários e fazer investimentos ou reformas. Os que têm família em Miami ou na Espanha faziam isso com dinheiro dos parentes, mas nem todos tinham essa possibilidade.

Há risco de aumento da desigualdade?

PICCONE: Essa é uma questão que atinge o centro das metas da revolução. Eles estão preparados para aceitar mais desigualdade em troca de uma nova vitalidade econômica, necessária para a sobrevivência do país. Eles viram o colapso da União Soviética, viram a Rússia ser virada do avesso pelo capitalismo e não querem isso. Mas sabem que o tempo não está a favor deles. Querem preservar aspectos-chave da revolução, mas precisam atualizá-los. E tomam como referências países que já seguiram esse caminho, como China e Vietnã.

De que forma a ditadura é visível para um visitante?

PICCONE: Qualquer grupo reunido na rua é apartado, e qualquer sinal de protesto, dispersado. Você vê que faltam livrarias, bancas de jornais, só se vê o "Granma" e livros sobre Fidel. Na TV e no rádio, que são do Estado, só se ouve sempre um lado da história. Há um senso de medo e cautela nas ruas.

Cuba conseguirá avançar economicamente sem mudanças sociais ou em direitos humanos?

PICCONE: Acredito que a mudança econômica levará a mudanças políticas, isso é inevitável quando se altera a relação fundamental entre o cidadão e o Estado, mas levará mais tempo do que se espera.

E quanto ao fim do embargo americano?

PICCONE: Se ao menos os EUA percebessem... Estamos perdendo a oportunidade de nos engajarmos com a sociedade cubana. Estamos atrasados em relação a países como o Brasil, que miram a infraestrutura. Mas gostaria que o governo Dilma também se manifestasse em caráter público e privado em relação aos direitos humanos.