Título: Vale quanto custa?
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 29/01/2012, Economia, p. 45

Inflação e renda maior causam sobe e desce de preços e confundem consumidor

Você já se sentiu perdido sobre o preço de um produto na hora da compra? Ficou surpreso com o valor cobrado por um serviço? Se a resposta foi sim, tranquilize-se: essa sensação é cada vez mais comum no Brasil. A alta da inflação dos últimos anos, combinada com a expansão da demanda por serviços, o aumento médio da renda, a queda do dólar e o avanço desproporcional de alguns custos alterou os preços relativos no país. Assim, referências de preços conquistadas há cerca duas décadas são perdidas. E, prepare-se: o desequilíbrio deve continuar nos próximos anos.

Graças a isso um quilo de filé mignon (em torno de R$38 em supermercados do Rio) custa mais que a mesma quantidade de camarão limpo (cerca de R$36). E, pelo mesmo preço, é possível comprar quase o dobro de bacalhau. Levar um cachorro para um banho na petshop (que chega a ultrapassar os R$50) pode ser mais caro que um corte de cabelo. Nos últimos anos, o preço da creche subiu com o dobro da velocidade das mensalidades de universidades. A instalação de um ar-condicionado split pode custar mais de R$400, ou cerca da metade do valor do aparelho, na faixa dos R$800.

E, se ficou mais fácil comprar um carro zero - o preço está 7,87% mais baixo que há cinco anos, segundo o IBGE - sua manutenção pode assustar: a lubrificação subiu 65,98% e o estacionamento, que chega a custar R$40 por dia no Centro do Rio, ficou 58,64% mais caro no período. E mesmo a banana já não está assim a "preço de banana": enquanto a inflação oficial do país, o IPCA, subiu 30,17% entre 2007 e 2011, a fruta tipo prata registrou alta de 48,84% e a banana-maçã, de 88,70%.

Serviços são os maiores vilões

- A principal questão para a alteração dos preços relativos é o forte aumento nos serviços, que de certa maneira acompanham o aumento da renda. Isso tende a continuar, o Brasil está ficando parecido com os países desenvolvidos, onde o custo da mão de obra/hora é muito cara - afirma o especialista em inflação Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio.

Os serviços estão mais caros diante do ganho de renda dos trabalhadores o que provocou uma demanda maior pelos serviços. Além disso, o aumento do salário mínimo, de 18,3% acima da inflação nos últimos cinco anos, elevou os custos do setor. Como os serviços dificilmente são importados - e assim não se beneficiam da queda do dólar que barateou bens industrializados - eles são os que mais mais encarecem.

- Soube de uma pesquisadora que entrevistou uma manicure que, aos fins de semana vendia cocos na praia. Ela deixou o comércio por uma razão simples: precisava vender 30 cocos para ganhar o mesmo que lucra com uma única cliente de manicure e pedicure - diz Cunha.

Francisco Pessoa, economista da LCA Consultores, acredita que essa sensação de não saber de antemão os preços dos produtos e serviços tende a continuar. Para ele, isso fica evidente na comparação com o preço de alguns produtos industrializados, em queda até pela evolução tecnológica. Ele lembra, porém, que a alta dos serviços daqui para a frente não deve fugir do comportamento médio dos preços:

- Se o IPCA médio de 2012 for próximo de 5%, o de serviços deve variar na casa dos 7%. Mas, se todos os preços do país variarem menos, os dos serviços também subirão em escala menor. Poderão ser dois pontos acima da média, mas não devem se descolar tanto - afirma Pessoa, que vê, a médio e longo prazos, uma entrada grande de imigrantes no Brasil, como o que ocorria nos EUA nos áureos tempos, atraídos pela alta dos serviços.

A empresária Juliana Peixoto, proprietária da Yellow Moda Feminina, surpreendeu-se duplamente no ano passado. No trabalho, por causa da alta do valor cobrado pelas suas costureiras - passou de R$5 e R$6 por peça para algo entre R$12 e R$15, chegando a R$25 para a seda. Em casa, a nova moradora, a cadela Cristal, trouxe despesas muito maiores do que ela previra:

- Pensava que levá-la ao banho na petshop custava algo em torno dos R$15, mas não, nunca sai por menos de R$40. E os remédios dela são mais caros que os meus, alguns chegam a custar mais de R$100. E o pior é que não há genérico de produtos veterinários - brinca.

E a refeição fora de casa, que subiu 10,49% em 2011, também varia muito dentro de uma mesma região. Almoçar fora de casa custou, em média R$27,46 no país, de acordo com pesquisa da Alelo, administradora de cartões-benefício e cartões pré-pago, como vales-alimentação. Mas a dispersão é grande. No Rio, o almoço custa em média R$32,78, mas cai para R$27,59 na Zona Norte, e sobe para R$40,75 na Zona Sul. Dez dias de almoço na Zona Sul vale o mesmo que 15 dias almoçando na Zona Norte. Nas compras do supermercado, os contrastes permanecem.

- Semana passada eu comprei o quilo do camarão limpo mais barato que o quilo da carne - lembra Paulo Messias, soldador de 24 anos.

Nos eletrodomésticos e eletrônicos, o movimento foi inverso. Graças à queda do dólar e às novas tecnologias, produtos como televisores, máquinas de lavar e celulares ficaram até 45% mais baratos. Os serviços de conserto foram para o caminho contrário e apresentaram alta de 16% nos últimos cinco anos. Assim, repete-se no Brasil a máxima que já é conhecida nos países desenvolvidos: o preço de um reparo é maior do que o de um produto novo.

Thiago Martinez, coordenador de Economia Monetária e Câmbio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra que, nesta alteração dos preços relativos, um dos antigos "vilões" da inflação se transformou:

- Tarifas de luz e telefonia que sempre estiveram entre as maiores altas, foram mais comportadas nos últimos anos, aumentando a diferença para alimentos e bebidas e serviços, que subiram muito desde 2006.

A habitação também assusta. O casal Wesley e Marise Barreto está impressionado com os aluguéis:

- Estamos saindo de Macaé, uma cidade cara por causa do petróleo, mas aqui está assustando. Estamos dispostos a pagar R$3 mil por mês, mas os imóveis que encontramos nesta faixa não valem isso, são velhos e ruins.

As despesas com imóveis também supreendem. Serviços de mudanças subiram 85,97% em cinco anos, mais que o dobro dos 42,01% do aluguel. E, como são esporádicos, fica mais difícil saber o valor. Ou você sabe de cabeça o valor cobrado por um pintor?