Título: Sem-terra paraguaios pedem ajuda da ONU
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 02/02/2012, O País, p. 10

Grupo quer solução para o conflito agrário com agricultores brasileiros, na região do Alto Paraná; confrontos já começaram

ÑACUNDAY, CIUDAD DEL ESTE (PARAGUAI). Contrariados com a política agrária do governo de Fernando Lugo, trabalhadores rurais paraguaios conhecidos como "carperos" (em espanhol, significa pessoas que vivem em carpas ou barracas) ingressaram esta semana com uma denúncia na Corte Internacional da ONU solicitando intervenção para resolver a questão agrária paraguaia. Eles lutam há 13 anos para obter a posse de 167 mil hectares que ficam na fronteira com o Brasil e que, segundo eles, são ocupadas atualmente por fazendeiros brasileiros, os chamados "brasiguaios". Essas propriedades localizadas na fronteira, conhecidas como "terras fiscais", não poderiam estar sendo ocupadas por fazendeiros estrangeiros e sim por agricultores paraguaios. — Estamos acampados aqui em condições precárias, sem água, sem energia elétrica, sem alimentos suficientes, e ninguém do governo (paraguaio) veio nos ajudar. Por isso, estamos pedindo socorro à ONU — disse ao GLOBO Victorino Lopez Cardozo, líder dos sem-terra paraguaios. No início da noite de ontem, O GLOBO percorreu o acampamento em Ñacunday, onde estão, atualmente, cerca de 10 mil "carperos", sendo que pelo menos dois mil são crianças. No local, não há escolas e em postos de saúde. E a cidade mais próxima, Ciudad del Este, fica a 70 quilômetros de distância. Eles vivem em barracas instaladas a poucos metros das fazendas dos brasiguaios. Enquanto um grupo de jovens jogava vôlei improvisando sacos de batata como rede, homens armados de fação negociavam uma possível invasão de áreas nas próximas horas. Eles esperam a chegada de outros 20 mil "carperos" e, a qualquer momento, podem invadir as fazendas dos brasiguaios. — Temos aqui dez mil pessoas e, por enquanto, está sob controle. Mas se chegar mais gente, podemos perder o controle da situação e aí não sabemos o que poderá acontecer — reafirmou Lopez Cardozo. Os fazendeiros brasileiros estão tensos e armados para enfrentar eventual ocupação de suas terras. Um deles, Tranquilo Fávero, disse ao GLOBO por telefone que ele não pode perder as terras da qual é proprietário há 40 anos. — Tenho documentação. Estou aqui há décadas, investindo na produção de grãos. A não ser que o Paraguai não tenha mais lei, o que não acredito — disse Fávero. O clima de tensão é tão grande que o repórter do GLOBO só conseguiu entrar no acampamento dos sem-terra depois de pedir autorização do líder do movimento, Lopez Cardozo. Mesmo assim, integrantes do movimento acompanhavam os jornalistas com foices na mão. Confronto com a polícia Ontem, a polícia paraguaia prendeu uma dezena de trabalhadores rurais em mais um conflito dos episódios que envolvem a disputa de terras entre agricultores brasileiros, os brasiguaios, e os sem-terra paraguaios. O grupo, formado por mais de 20 paraguaios, tentou invadir a sede da polícia em Curuguaty, mas foi detido. Alguns, que enfrentaram a polícia, foram feridos por disparos de bala de borracha. No Brasil, o encarregado de Negócios do Paraguai, Didier Olmedo, principal representante do governo do país vizinho em Brasília, disse ontem que o presidente Fernando Lugo está empenhado em encerrar a série de conflitos, na região do Alto Paraná, que se estendem há mais de uma semana. A estimativa é de que cerca de 350 mil brasileiros vivam em território paraguaio, a maioria, agricultores. De acordo com Olmedo, o esforço paraguaio é para garantir segurança aos brasileiros e buscar o fim do impasse que, para ele, deve passar pela Justiça. — Há um compromisso do governo Lugo em buscar uma solução para o fim do impasse. Porém, é um assunto que tem de ser resolvido no âmbito da Justiça. O esforço das autoridades paraguaias é para garantir a segurança a todos os envolvidos — disse à Agência Brasil o representante do governo paraguaio. — Esse é um problema muito sensível e que vem há muito tempo. Infelizmente muitas pessoas e vários grupos se aproveitam da situação delicada e tentam tirar vantagem — comentou o encarregado de Negócios, lembrando que a Lei de Fronteira, em vigência no país desde 2007, agravou a situação: — Pela legislação, aquele que não estiver dentro da área definida pode ser retirado da propriedade. O governo paraguaio, segundo Didier Olmedo, tem feito reuniões diárias com autoridades brasileiras para tratar da controvérsia. A Embaixada do Brasil no Paraguai informou que o embaixador Eduardo Santos dedica-se nos últimos dias a conversar com os paraguaios para tentar resolver o problema.