Título: Monsieur Sarkozy vem a negócios
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 07/09/2009, Mundo, p. 12

Presidente francês chega para assinar acordo militar bilionário e reforçar o favoritismo de seu candidato na briga pela compra de 36 caças para a FAB. Empresários de vários setores aproveitam para disputar obras de infraestrutura

O presidente da França, Nicolas Sarkozy, chegou ontem à noite a Brasília e seguiu direto ao Palácio da Alvorada, para um jantar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se a conversa entre os dois foi sobre os projetos de cooperação, o encontro deve ter sido longo. Hoje, depois de participar das comemorações do 7 de Setembro, eles assinarão uma série de acordos. A relação entre os dois países não poderia ser melhor: segundo especialistas ouvidos pelo Correio, um dos motivos para o bom momento é a afinidade política entre os chefes de Estado e, principalmente, a convergência de posições éticas.

¿A França foi um dos países que mais festejaram a eleição do presidente Lula e, desde então, o seu capital simbólico tem aumentado. Além disso, a relação pessoal com Sarkozy sempre foi muito boa¿, garante Ana Flávia Barros-Platiau, professora e chefe da Assessoria Internacional da Universidade de Brasília (UnB). A relação bilateral é antiga e se fortaleceu com a assinatura da parceria estratégica, em dezembro último. ¿Nas questões de segurança, a França vê o Brasil como país emergente e líder regional. Ambos entendem que os desafios globais não são apenas as armas nucleares, mas também a fome, a pobreza, a humilhação e as epidemias. Por tudo isso, acredito que a relação entre os dois países e as duas sociedades tendem a ficar mais estreitas.¿

A vinda de Sarkozy não é apenas uma visita a um bom amigo. É sinal de que o Brasil é um forte parceiro. As trocas econômicas entre os dois países cresceram 135% nos últimos cinco anos. No primeiro semestre de 2009, as exportações brasileiras para a França totalizaram US$ 1,6 bilhão, e as importações alcançaram US$ 1,9 bilhão. ¿Como se costuma dizer em francês, as relações entre o Brasil e a França estão `como céu azul de brigadeiro¿¿, brinca Estevão de Rezende Martins, professor de história da UnB. Para o especialista, os dois países mantêm um diálogo maduro.

O presidente francês desembarcou sem a primeira-dama, Carla Bruni, mas acompanhado por seis ministros. Segundo a embaixada francesa, os titulares de Economia, Relações Exteriores, Ecologia, energia e desenvolvimento sustentável, Defesa, Cultura, Migração e Transportes vieram para selar acordos. Entre eles, um importante contrato militar para aquisição de helicópteros e submarinos convencionais e a construção de um submarino nuclear. Na área de transportes, a Agência Francesa de Desenvolvimento deve financiar projetos de trens de alta velocidade e até mesmo a obra do governo do Distrito Federal do veículo leve sobre trilhos (VLT), que deve ligar o aeroporto de Brasília ao centro da cidade. O planejamento da ponte que vai ligar o Brasil e a Guiana Francesa, assinado em dezembro, também será definido. A obra deve ficar pronta em novembro de 2010.

Empresas Diretores de grandes empresas francesas dos ramos de energia, hotelaria, eletricidade, transportes, alimentos, defesa e construção também integram a comitiva. Amanhã, eles participam da primeira reunião do Grupo de Trabalho sobre Comércio e Investimentos, que faz parte da parceria entre Brasil e França. O encontro será comandado pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, e pela ministra da Economia da França, Christine Lagarde. A intenção é fortalecer o comércio bilateral.

¿O Brasil certamente pode beneficiar-se com tais contratos, que significam não só investimentos de infraestrutura, mas igualmente transferência de tecnologia, desenvolvimento da ciência e geração de empregos¿, diz Estevão Martins. A cooperação cultural também é intensa. O sucesso do Ano do Brasil na França, em 2005, e o intercâmbio feito neste ano provocaram uma troca maior entre os dois países. Segundo Ana Flávia Barros-Platiau, esse é um fator essencial para fortalecer laços. ¿A relações internacionais, nos dias de hoje, precisam ter o foco não apenas no interesse do Estado, mas principalmente nas sociedades, nos cidadãos globalizados que podem iniciar processos internacionais diversos.¿

Primeira classe O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de sinalizar o apreço pelo colega francês, Nicolas Sarkozy, e foi em pessoa recebê-lo na Base Aérea. Os dois governantes passaram em revista a guarda de honra e seguiram para um jantar reservado no Palácio da Alvorada, primeiro compromisso de uma visita breve, porém repleta de compromissos de alcance prático, como a assinatura de uma série de acordos no marco da parceria estratégica selada no ano passasdo.

Lula reitera preferência pelo Rafale

Luiz Inácio Lula da Silva não consegue esconder sua preferência na concorrência F-X2 da FAB, e ontem mais uma vez deixou clara sua inclinação pelos caças franceses Rafale. ¿O que posso dizer é que nossas discussões estão muito avançadas e eu acho que chegaremos a um bom entendimento com a França. Nós temos um relacionamento de confiança com o presidente Sarkozy¿, disse Lula em uma entrevista à mídia francesa, publicada ontem pelo jornal Le Monde e exibida pelo canal TV5 e pela Rádio França Internacional.

O avião francês disputa com o modelo sueco Gripen, da Saab, e o americano F/A-18 Super Hornet, da Boeing, um contrato de US$ 4 bilhões para fornecimento de 36 caças para a Força Aérea Brasileira. O presidente explica sua preferência pelo Rafale com o argumento de que a fabricante, a Dassault, se mostrou disposta a discutir uma transferência de tecnologia. ¿Não podemos comprar um avião caça sem possuir a tecnologia, justamente porque pensamos em produzir uma parte desse avião no Brasil. Temos uma importante empresa que é capaz de fazê-lo¿, afirmou Lula, em referência à Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer).

¿Nós montamos um Plano Estratégico de Defesa Nacional, e em torno desse plano estamos elaborando uma parceria estratégica com a França, a fim de que possamos assinar contratos envolvendo submarinos, helicópteros e discutir também a questão dos aviões de caça¿, comentou o presidente brasileiro durante a entrevista, discutindo o contrato militar que será assinado hoje. O encontro com Lula é uma excelente oportunidade para Nicolas Sarkozy intermediar a compra dos caças e desenvolver ainda mais a parceria na área militar. O Rafale ainda não foi vendido fora da França.

A imprensa francesa questionou o presidente brasileiro sobre uma possível decisão quanto ao anúncio do vencedor da licitação durante o 7 de setembro, mas Lula não confirmou nada. Por enquanto, o resultado final da concorrência deve ser divulgado em outubro. Segundo o Ministério da Defesa, um relatório técnico sobre os três modelos está sendo produzido para depois ser entregue à Presidência da República. ¿O Brasil passa por uma fase na qual terá de tomar uma decisão, e todo mundo sabe que uma das exigências que o Brasil faz é de ter acesso à tecnologia.¿

Agenda intensa

Esplanada dos Ministérios 9h - Desfile cívico-militar de Sete de Setembro

Palácio da Alvorada 12h - Reunião com o presidente Lula, na companhia de ministros e assessores dos dois lados 12h55 - Recebe a Ordem do Cruzeiro do Sul, no grau de Grande Colar 13h - Assinatura de atos, seguida de entrevista coletiva conjunta

Pátio Brasil 15h - Solenidade com o governador José Roberto Arruda para liberação de crédito para a implantação do veículo leve sobre trilhos (VLT) no DF

Base aérea 16h30 - partida

O que quer cada um

Acordo militar

Busca reequipar as Forças Armadas e assimilar tecnologia para a indústria bélica, aeronáutica e naval, além de desenvolver o sonhado submarino de propulsão nuclear

Além do lucro imediato com a venda de helicópteros, submarinos e possivelmente aviões, aposta em construir uma cooperação estreita, que resulte em novos contratos a longo prazo

Infraestrutura

Tenta atrair empresas de primeiro time para disputar obras previstas no PAC, especialmente o trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo

Com a crise financeira ainda freando a economia do país, Sarkozy empenha seu prestígio para ajudar as empresas francesas na corrida por contratos valiosos

Temas políticos

Desde o antecessor imediato de Sarkozy, Jacques Chirac, a França tornou-se uma das potências mais enfáticas na defesa de uma vaga permanente para o país no Conselho de Segurança da ONU

Espremido entre o poderio militar dos EUA e a robustez da economia alemã, o país investe nas coincidências com o Brasil em temas globais como mudança climática e combate à pobreza