Título: Enxurrada de dólares
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 03/02/2012, Economia, p. 27

Moeda cai 7,86% no ano com captações externas de empresas e investimento na Bolsa

Impulsionado por captações de empresas brasileiras no exterior e pesados investimentos de estrangeiros na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o Brasil caminha para uma nova queda de braço no câmbio nas próximas semanas. Ontem, o dólar comercial fechou em baixa de 0,69%, a R$ 1,722, e passou a acumular uma desvalorização de 7,86% desde 29 de dezembro (R$ 1,869), último pregão do ano passado. Trata-se da segunda maior queda entre as principais moedas do mundo, atrás apenas do peso mexicano (-8,06%). Embora distante de patamares vistos no ano passado - quando chegou a R$ 1,537, o menor valor desde janeiro de 1999 - o mercado prevê uma resistência crescente do governo brasileiro e das indústrias para uma cotação da moeda inferior a R$ 1,70, taxa que deve ser testada nos próximos dias.

Segundo Luiz Henrique de Paula, analista da Hencorp Commcor, o clima mais ameno na crise europeia e bons dados da economia americana aumentaram o apetite dos investidores estrangeiros por aplicações de risco, o que explica a enxurrada de dólares em mercados emergentes como o brasileiro. Somente as empresas brasileiras captaram US$ 12,3 bilhões no exterior este ano, dos quais US$ 7 bilhões refere-se à operação da Petrobras.

- A curto prazo, o que vamos ver são as indústrias reclamando e o governo cada vez mais incomodado. Seria natural uma reação do governo. Mas é bom lembrar que o Brasil tem os juros mais altos do mundo e isso atrai dinheiro de fora - afirma o analista. - Somente medidas do governo ou uma piora da crise externa vai mudar essa tendência.

Estrangeiros põem R$ 7 bi na Bolsa

A enxurrada de dólares no país ficou mais evidente ontem, quando a BM&FBovespa divulgou suas estatísticas de compra e venda de ações de janeiro. Os investidores estrangeiros fizeram aplicações líquidas de R$ 7,2 bilhões no mercado brasileiro em janeiro, um recorde mensal para o período do Plano Real (quase 18 anos).

Segundo a BM&FBovespa, esse valor refere-se ao saldo entre compras de R$ 52,818 bilhões e vendas de R$ 45,650 bilhões no mês. No ano passado, o saque dos estrangeiros havia sido de R$ 1,3 bilhão.

- Temos visto os estrangeiros investindo em mercados emergentes. E o Brasil é um dos que estão mais baratos. Eles compra um "pacote Brasil", de índices e principais ações. É uma das razões para a Petrobras e Vale estarem subindo tanto - explica Hersz Ferman, gestor da Yield Capital.

Para Eduardo Velho, economista da Prosper Corretora, o mercado começa a especular eventuais medidas do governo brasileiro e do Banco Central (BC) para conter o câmbio, como aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e mudanças regulatórias que reduzam apostas contra a moeda na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F).

- No ano passado, o governo atuou de forma mais incisiva quando a moeda passou a ser cotada entre R$ 1,60 e R$ 1,65. O governo não deve, porém, esperar tanto este ano. As medidas devem ser tomadas bem antes disso - avalia Velho.

Mas a preocupação do mercado não encontrou ontem eco no governo. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, disse que a valorização do real ocorre em linha com a de outras moedas.

- (O ano de) 2012 começou em um tom otimista em relação aos mercados. Portanto, isso se reflete nas moedas do mundo todo, inclusive no real - disse Tombini, durante a conferência internacional organizada pelo Banco Central da Índia, em Bombaim.

Tombini acrescentou que a economia brasileira deve crescer mais este ano, em comparação ao ano passado, por causa da redução dos juros. Em 2011, o Brasil cresceu cerca de de 3%, segundo ele. O número oficial só será divulgado pelo IBGE em março.

- Há espaço para uma política de afrouxamento monetário no Brasil sem o comprometimento da inflação - afirmou Tombini.

A Bovespa fechou ontem em leve alta de 0,04%, aos 64.593 pontos pelo Ibovespa, seu principal índice. O destaque ficou para as ações de empresas construtoras e do varejo, papéis beneficiados pelo custo do crédito no Brasil.