Título: Esperança contra a Aids
Autor: Cotta, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 07/09/2009, Saúde, p. 15

Pesquisador mineiro descobre como modificar células para que gerem HIV não infeccioso durante a multiplicação viral. Resultado do estudo deve impulsionar o desenvolvimento de nova classe de medicamentos para pacientes que já criaram resistência ao coquetel

Os portadores de HIV já podem começar a sonhar com um novo tratamento para a Aids e, consequentemente, com uma maior expectativa de vida. As chances de desenvolvimento de uma nova geração de medicamentos cresceram a partir de uma descoberta do biólogo mineiro Renato Santana de Aguiar, que identificou uma forma de conter a ação infecciosa do vírus no corpo humano. A pesquisa avança no conhecimento de como o HIV se multiplica no organismo, infectando e matando as células. ¿Trata-se de uma pesquisa básica em virologia, que será importante para a descoberta de novos fatores envolvidos na replicação do vírus. Um dia, esses fatores podem se tornar novos alvos para o tratamento¿, explica o pesquisador.

A descoberta é fruto da pesquisa de pós-doutorado iniciada na Universidade da Califórnia, em São Francisco, e finalizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde Renato Aguiar é professor adjunto do Departamento de Genética. O pesquisador acaba de receber da Sociedade Internacional de Aids (IAS) e da Agência Nacional Francesa de Investigação sobre a Aids (ANRS) o prêmio de jovem investigador na área de ciências básicas ¿ conquistado devido ao estudo ¿ durante um congresso internacional realizado na África do Sul.

A pesquisa identificou o lugar onde o vírus se protege dentro da célula, impedindo que seja degradado. Depois de entrar em uma célula saudável, o HIV começa um processo de geração de milhares de novas partículas virais. Ameaçado de ser quebrado e de perder sua capacidade de infecção, o vírus se esconde dentro de estruturas celulares conhecidas como ¿sítios P¿. As partículas de novos vírus geradas em células que tiveram esses sítios desestruturados em laboratório brotaram vazias, portanto, não infecciosas, impedindo a propagação do HIV pelo corpo. ¿Encontramos os sítios de processamento de RNA. Essas estruturas já eram conhecidas, mas não se sabia de sua conexão com a replicação do vírus. Com os resultados, vai ser possível evitar o processo de proliferação do HIV, já que as cópias do vírus saem das células menos infecciosas¿, explica.

A pesquisa foi feita com células humanas cultivadas em laboratório. Depois da desestruturação dos sítios celulares, foi injetado o HIV, gerando até 90% de cópias não infecciosas. ¿Os vírus que saíram não eram infecciosos. A partícula viral brota vazia, sem a capacidade de infectar novas células¿, comemora o pesquisador. Ainda serão necessários mais testes para ver se a desestruturação desses sítios não tem interferência na célula, mas o grupo de pesquisa já se prepara para fazer a mesma desestruturação com medicamentos já existentes no mercado, usados para o tratamento de náusea. Nos próximos cinco anos, os pesquisadores vão analisar se essa medicação também tem algum efeito na inibição da infecção por HIV.

Tratamento

Hoje, um dos principais obstáculos na terapia de pacientes infectados com HIV é o desenvolvimento de resistência aos medicamentos disponíveis, causada pelas mutações do vírus. Em muitos casos, os pacientes apresentam falhas terapêuticas e são necessárias formas alternativas de tratamento, em que se encaixa a pesquisa de Aguiar, que, ao levar a conhecer melhor a capacidade de infecção do vírus, contribui para o desenvolvimento de novas estratégias de terapia para o paciente infectado.

Atualmente, o tratamento contra o HIV envolve seis classes de medicamentos, que atuam nas etapas de replicação do vírus dentro da célula. Os inibidores de transcriptase reversa, protease, fusão, integração, citosina e maturação interagem com as proteínas virais impedindo que o HIV se multiplique. Inibindo-se a infecção, consequentemente é reduzido o efeito ruim do vírus nas células.

¿O problema é que o HIV muda muito rapidamente, criando uma alta taxa de resistência ao coquetel. A medicação vai sendo trocada com o tempo, mas, depois de 20 anos de tratamento, o paciente pode ficar resistente a todas as drogas, quando não adianta mais utilizar aquele medicamento¿, afirma Aguiar. ¿A pesquisa vai possibilitar exatamente o desenvolvimento de uma nova classe de medicamentos anti-HIV.¿