Título: Paraguaios ameaçam invadir terras hoje
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 03/02/2012, O País, p. 17

Donos de fazendas, brasiguaios contratam seguranças particulares armados com escopetas e aguardam confronto

ÑACUNDAY, Paraguai. Pelo rádio transmissor, Rosalino Casco, um dos líderes dos sem-terra na região de Ñacunday, no Paraguai, convoca homens, mulheres e crianças para a última reunião antes da ocupação de uma das áreas agrícolas em poder de brasileiros, prevista para a madrugada de hoje. Aos gritos, com facões e machados nas mãos, o grupo mostrava ontem disposição para um possível enfrentamento. A um quilômetro dali, seguranças particulares com escopetas a tiracolo protegem propriedades que, décadas atrás, teriam sido adquiridas pelos brasiguaios com títulos falsos, denunciam os sem- terra. Os brasileiros contestam e dizem que as propriedades são legais. Temendo violência no campo, os brasileiros não só reforçaram a segurança como tiraram das lavouras boa parte do maquinário pesado. Teriam aumentado, no entanto, o volume de munição. O acampamento, por sua vez, cresce a cada hora. Carros dos mais variados, incluindo modelos novos de caminhonetes e jipes, cruzavam ontem os 40 quilômetros de estrada de terra até a área onde a maior parte dos sem-terra vive há 13 anos. — Acabou a nossa paciência. Como esse governo (do presidente Fernando Lugo) não resolveu, nós vamos resolver — disse Casco, pai de seis filhos, todos nascidos no acampamento. Outro dirigente dos sem-terra, Victoriano Lopez Cardoso, teria tentado ontem, em Assunção, uma audiência com Lugo, sem sucesso. Ao contrário de Casco, ele evita acirrar os ânimos: — Hoje (ontem) não sei te dizer se vai ter ou não ocupação. O Paraguai tem hoje 4 milhões de terras fiscais, as chamadas áreas públicas, que estariam sendo exploradas pelos 300 mil brasiguaios que moram do outro lado da fronteira. A região do acampamento 12 Apóstolos, onde O GLOBO acompanha a tensa negociação, fincado numa área que totaliza 167 mil hectares, é explorada pelo brasileiro Tranquilo Favero, maior produtor individual de soja daquele país. — Emprego 3 mil funcionários aqui. O que os sem-terra querem é acabar com a maior fonte de renda que o país deles tem — disse Favero, há mais de 40 anos vivendo no Paraguai e com propriedades em 13 dos 17 estados daquele país. Os sem-terra pretendem montar pequenas casas de alvenaria onde hoje cresce, principalmente, soja. Um pequeno grupo de sete policiais acompanha o movimento à distância. Na pausa das reuniões, os sem-terra protegem-se do sol forte enfrentando o calor que pode chegar aos 40 graus dentro das "carpas", como são chamadas as barracas em espanhol. Muitos tomam chimarrão, outros passam quase todo o dia dentro dos pequenos riachos que cortam o acampamento. Outra acusação que pesa sobre ombros dos brasileiros é que a falta de fiscalização permitiu, ao longo dos anos, a venda e locação indiscriminada de terras, passando de mãos e mãos, em sua maioria para brasileiros que deixaram o Sul do Brasil para tentar a sorte por ali. Pedindo para não se identificar, um pequeno agricultor brasileiro está preocupado. Não quer perder R$ 40 mil que investiu no passado. — Viemos para trabalhar, e não vou deixar paraguaio nenhum levar o que consegui com tanto suor. n