Título: Autoasfixia argentina
Autor: LaViola, Mauro
Fonte: O Globo, 05/02/2012, Opinião, p. 7

Todo mundo sabe que uma economia para ser forte e progressiva necessita ser arejada pela abertura externa. No caso da Argentina, que desde o início deste século vem experimentando crises superpostas de balanço de pagamentos e calote em sua dívida externa por força de gestões erráticas de política interna, seu atual governo parece ter encontrado a fórmula mágica de praticar sua própria eutanásia. O corolário de medidas protecionistas para "preservar" a produção nacional chegou ao ápice com a edição da Resolução Geral 3.252 da Afip (a Receita Federal argentina) que instituiu a Declaração Jurada de Antecipação de Importações (DJAI), para vigorar a partir deste mês. A medida veio somar-se aos dois outros instrumentos largamente aplicados de forma indiscriminada a todas as importações do país: licenças não automáticas e aplicação generalizada do "valor critério" (versão local dos "preços de referência" também aplicados no Brasil em casos específicos). Pela nova sistemática, os importadores daquele país terão de informar previamente à Secretaria de Comércio Exterior suas necessidades de compras externas sem o que não obterão as licenças correspondentes. Adicionalmente a AFIP editou a RG 3255 instituindo a "janela eletrônica unificada" para operar as solicitações de DJAI. Outra medida restritiva obriga os importadores a solicitar ao Ministério do Interior anuência prévia da compra externa pretendida, pela qual o citado órgão fará esmiuçada avaliação quanto à possibilidade de a importação ser suprida pela produção local, especialmente quanto aos bens industrializados. O estoque de medidas protecionistas do país vizinho parece inesgotável. Após a fracassada tentativa de aplicar cláusula de salvaguarda no Mercosul, evidentemente com foco no Brasil, o parceiro contentou-se com a aprovação do MAC — Mecanismo de Adaptação Competitiva, eufemismo para a aplicação negociada de restrições à entrada de bens sensíveis da indústria local que felizmente nunca foi implementado. Não obstante, outros óbices comerciais, além dos anteriormente citados, foram adotados: acordos setoriais "voluntários" de limitação de exportações, quotas de importação, processos antidumping e direitos compensatórios contra bens brasileiros supostamente subsidiados. O governo argentino mostra-se extremamente preocupado em manter a balança comercial superavitária a qualquer preço e recuperar "na marra" seu parque industrial quase arrasado com a política de câmbio fixo adotada nos anos 90. Mas seu déficit fiscal é crescente e o índice real inflacionário é muito superior ao mascarado pelo instituto oficial. Além disso, a falta do ar externo acabará limitando suas exportações, inibindo novos investimentos tanto nacionais quanto estrangeiros e desestimulando transferências de tecnologias e inovações. Ou seja, diagnóstico de alto risco de estrangulamento para a economia local. Releva destacar que as RGs argentinas não exoneram as compras provenientes do Mercosul, transgredindo, uma vez mais, as regras estabelecidas no Tratado de Assunção. Assim, após a última reunião de cúpula, a Argentina confirma o conceito de pura ficção e alentada retórica em que se converteu o bloco.

MAURO LAVIOLA é diretor da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).