Título: Greve na Bahia agride o estado de direito
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Fonte: O Globo, 08/02/2012, Opinião, p. 6

Embora permitida pela Constituição, a greve de servidor público, na falta de regulamentação pelo Congresso, é regida pela legislação aplicada ao setor privado, por determinação do Supremo.

Caso ocorra em serviços essenciais, há uma série de limitações para que a população não fique desamparada. Já paralisações de forças policiais, no caso de PMs, são proibidas, por inconstitucionais. As Polícias Militares se equiparam, perante a lei, às Forças Armadas. Mas, como no Brasil há enorme distância entre o texto da lei e a realidade, está em curso uma série de paralisações ilegais de PMs. Já ocorreram nos estados de Piauí, Maranhão e Ceará.

Na Bahia, a greve produziu situações indescritíveis.

Além de casos de vandalismo, houve aumento no número de homicídios, creditado em parte a grevistas. O assassinato de mendigos e moradores de rua tem de ser investigado a fundo, para a devida punição dos criminosos. A justificativa para o atropelamento da Carta é a luta pela aprovação do projeto de emenda constitucional de número 300, a PEC 300, pela qual se cria o piso nacional para PMs e bombeiros, de R$ 3.100 (hoje, na média, ele é de R$ 2 mil). A ideia — de grande contaminação corporativista — é um desatino, por duas razões principais: não há dinheiro para financiar o aumento de gastos nos estados, nem faz sentido, num país do tamanho e com a diversidade do Brasil, este tipo de uniformização.

Quanto à falta de recursos, alega-se que, se não existir dinheiro suficiente nos governos estaduais, a União bancará a diferença.

Ora, também não existem recursos de sobra no Tesouro Nacional. E, se houvesse, o país tem outras prioridades de gastos, além da segurança pública: educação, saneamento, infraestrutura de transporte.

E não faz sentido estabelecer que o policial do Piauí receberá um soldo idêntico ao do PM de São Paulo.

Não apenas porque a conta não fechará, certamente para o governador do Piauí — e nem o Tesouro conseguirá saldar a diferença —, mas também devido a diferenças viscerais entre os dois estados. A começar pelo próprio custo de vida, maior em São Paulo.

O governo federal acerta ao agir com firmeza na Bahia, em que o estado de direito foi jogado na lata de lixo por alguns dias.

O governador Jaques Wagner, por sua vez, também não pode recuar na promessa de punições.

A depender da atuação das autoridades nesta greve, haverá ou não estímulo para o movimento continuar a se alastrar. O Rio de Janeiro poderá ser o próximo, ameaça-se, enquanto mensagens trocadas nas redes sociais por sindicalistas policiais listam Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Tocantins e Roraima como próximos alvos.

Lembre-se que toda esta ebulição perigosa ganhou muita força com uma lei de anistia de policiais grevistas assinada em 2010 pelo presidente Lula, em benefício de quem havia rasgado a Constituição desde 2007.

Depois, veio o segundo erro, com a anistia de bombeiros do Rio. Desta leniência se aproveitam políticos oportunistas e a própria banda podre das polícias para agir nesses movimentos grevistas. Que o policial deveria ganhar mais é uma coisa. Usar a população como refém com objetivos políticos e corporativistas é outra.