Título: Síria: procura-se estratégia
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 07/02/2012, O Mundo, p. 29

Veto na ONU abre crise diplomática, e conflitos ganham contornos imprevisíveis no país

AP

Ainda sem uma nova estratégia para conter o banho de sangue na Síria, o bloco formado pelo Ocidente - reforçado pelos 22 países da Liga Árabe e pela Turquia - viu os Estados Unidos fecharem sua embaixada em Damasco sob a alegação de falta de segurança. Rapidamente, o Reino Unido também chamou de volta seu embaixador para consultas em Londres. Mas, no outro extremo da arena diplomática, o governo da Rússia classificou como "histeria" a reação aos vetos russo e chinês que impediram uma resolução contra a Síria no Conselho de Segurança da ONU e despachou seu chanceler a Damasco para novas negociações com o presidente Bashar al-Assad. No meio da divergência internacional, ontem, ficou a cidade de Homs, novamente alvo de uma feroz ofensiva militar, na qual teriam morrido ao menos 60 pessoas.

Os bombardeios do Exército contra focos da dissidência armada na terceira maior cidade da Síria começaram ao amanhecer. O enviado do diário espanhol "El País" relatou que desde as 6h30m (hora local), mais de 200 bombas caíram em Homs, numa ofensiva que se arrastou por quatro horas. Os ataques provocaram explosões potentes, sacudiam os edifícios. Hospitais de campanha foram improvisados em residências para facilitar a concessão de algum tratamento médico aos muitos feridos nos últimos dias. Poucos ousam sair às ruas. Mesmo em horas consideradas mais tranquilas, teme-se a ação de francoatiradores. E de milícias.

- As famílias se revezam nas casas caso tenham que sair por qualquer motivo. As pessoas temem que, caso as casas fiquem vazias, sejam ocupadas pelas várias milícias que atuam na região - disse ao GLOBO uma fonte diplomática em contato com a população local. - As pessoas têm muito medo até de falar. Faço perguntas indiretas para averiguar a situação. Indago sobre a água, a comida, a luz... Vamos medindo a situação pela prestação de alguns serviços públicos.

Os contra-ataques cada vez mais violentos das Forças Armadas da Síria levam analistas a acreditar que Assad voltou seu aparato repressivo contra o chamado Exército Livre da Síria (ELS), formado por desertores. Com os confrontos cada vez maiores e mais imprevisíveis, é o ELS, comandado da Turquia pelo general desertor Riad al-Asaad, que deve ganhar protagonismo.

- O desenrolar dos acontecimentos aponta para um conflito armado generalizado. O ELS é formado por desertores e por um número cada vez maior de civis que pegam em armas para defender sua rua, seu bairro. Falta-lhes logística; eles ainda não conseguem armas em larga escala, só através de contrabando. Mas começam a agir como uma entidade de verdade - avaliou o pesquisador libanês Tony Badran, da Fundação para a Defesa das Democracias, em Washington.

Apesar da militarização, o presidente americano, Barack Obama, fez questão de destacar ontem a necessidade de uma solução política para a Síria.

- Acho que é muito importante para nós resolver isso sem recorrer a uma intervenção militar de fora. E eu acho que isso é possível - declarou.

O chanceler britânico, William Hague, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciaram apoio à proposta da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, de criar um grupo de países para supervisionar a ajuda internacional à oposição. Um "clube de amigos da Síria". O sucesso da iniciativa, porém, esbarra da fragmentação da oposição. E dependerá dos contatos com ativistas do ELS, no campo de batalha, advertiu Tony Badran.

- A oposição política do Conselho Nacional Sírio (CNS) e de outras entidades é completamente irrelevante. Trata-se de intelectuais exilados, de uma elite sem qualquer ligação com o povo. Falar com eles foi uma grande perda de tempo até agora. Mas, preocupa o discurso de Hillary. Ela fala em transição política e pacífica. Mas será que isso quer dizer sem lidar com o Exército Livre da Síria? Os contatos seriam com qual oposição? Para fazer o quê? - questionou o analista.