Título: Paraguai: sem-terra e fazendeiros armados
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 07/02/2012, O País, p. 10

Em nota, Lugo afirma que vai exigir documentos de agricultores e que "justiça com as próprias mãos" não será tolerada

ÑACUNDAY, PARAGUAI. Diante do acirramento da crise no campo, com grupos de semterra ameaçando invadir áreas exploradas por brasileiros no Paraguai, o governo daquele país informou ontem, em nota oficial, que evitará a "justiça com as próprias mãos", mas reacendeu a polêmica ao admitir que agricultores estrangeiros foram favorecidos pelo poder político e econômico, "violando a lei do Estado" nos últimos anos.

Segundo o governo, a Justiça determinará quem se apropriou ilegalmente de fazendas na região de Ñacunday, foco da disputa. Tanto semterra como fazendeiros estão armados, ameaçando com confrontos.

"Houve distribuição injusta e ilegal em assuntos da reforma agrária. (...) muitas vezes ganharam propriedades privadas pessoas favorecidas pelo poder político e econômico, violando lei e contrárias às políticas do Estado", diz o documento, lido num evento oficial por Miguel López Perito, chefe de Gabinete do presidente Fernando Lugo, que não compareceu à cerimônia.

O Executivo vai tomar todas as decisões no campo que acelerem ações para restaurar a credibilidade institucional, proporcionar segurança em documentos que circulam sobre a terra no Paraguai e garantir a transparência da gestão da reforma agrária — declarou Perito.

A iniciativa do governo atinge, principalmente, empresários brasileiros que atuam naquela área. Um deles, Tranquilo Favero, tem 167 mil hectares.

Favero nega ter sido favorecido, mas terá de comprovar que seus negócios não são realizados em área estatal. Caso contrário, o governo poderá distribuí-las entre integrantes do movimento dos sem-terra.

Ainda no comunicado, o governo paraguaio informou que não vai tolerar atos de violência "em razão da justiça por suas próprias mãos".

Desde o início do ano, semterras ameaçam invadir as áreas, e agricultores passaram a reforçar a segurança armada.

O governo reafirma: "as forças policiais devem ter todos os meios necessários para garantir a segurança".

— O governo Lugo está dando um grande passo ao reconhecer que muita gente temterra aqui ilegalmente — avaliou Frederico Ayala, um dos líderes do acampamento de Ñacunday.

A Polícia Nacional do Paraguai, destacada para acompanhar o conflito, permanecerá na região, enquanto técnicos do setor agrário terão de concluir a remarcação das áreas, conforme determinou a lei 2.532, de 2005, sobre segurança na fronteira.

O posicionamento do governo do Paraguai parece ter sido bem recebido entre os integrantes do movimento. O GLOBO percorreu ontem o acampamento e, diferentemente dos últimos dias, havia um clima de tranquilidade maior. Algumas famílias montavam barracas no local.

— Acabamos de chegar, e espero que esse seja o começo de um novo futuro — disse Antonio Benitez, recém chegado do departamento de Hernandaria, onde também vivia em acampamento de sem-terra.