Título: Cuba nega pela 19 vez saída de Yoani Sánchez
Autor: Lage, Janaina
Fonte: O Globo, 04/02/2012, O Mundo, p. 35

Dissidentes lamentam o que consideram visita decepcionante de Dilma à ilha; blogueira se diz prisioneira do regime

Quase um mês depois de publicar um pedido, em vídeo na internet, para que a presidente Dilma Rousseff intercedesse a seu favor, a blogueira cubana Yoani Sánchez foi impedida pela 19 vez de deixar o país. Em sua conta no Twitter, a jornalista exibiu o documento do governo cubano negando a autorização de viagem. Bastante decepcionada, agradeceu pelas centenas de mensagens de indignação recebidas no celular e pelo apoio dos internautas.

"Agradeço a todos os que tiveram a esperança de que desta vez eu conseguiria. Obrigada pelo otimismo, mas sou uma prisioneira", escreveu.

Esta não é a primeira tentativa de Yoani de viajar ao Brasil. O vídeo gravado em uma praia foi o primeiro passo de uma campanha que se estendeu na internet, com direito a exibição do visto brasileiro, de comprovação da ausência de antecedentes criminais e de uma enquete em que os usuários de redes sociais podiam apostar se o governo permitiria ou não a viagem.

O Itamaraty informou que não comentaria a decisão do governo cubano por se tratar de assunto de caráter interno. Durante a viagem a Cuba, Dilma já havia anunciado que o governo não interferiria mais no assunto após conceder um visto à blogueira. Segundo fontes do Itamaraty ouvidas pelo GLOBO na ocasião, a concessão do visto no Brasil havia sido dada em comum acordo com o regime dos irmãos Castro.

Documentarista pode adiar lançamento do filme

A jornalista chegou a dizer que se sentia como Dilma, quando a presidente foi presa no início da década de 70. Na internet, a blogueira lembrou da foto em que Dilma aparece altiva, aos 22 anos durante depoimento na Primeira Auditoria Militar do Rio, em novembro de 1970. Ao fundo, os militares responsáveis pelo julgamento cobrem o rosto para não serem identificados. Mas logo após a viagem, a blogueira deu sinais de decepção com a presença de Dilma, que não mencionou as violações de direitos humanos em Cuba durante a visita a Havana e disse que, nas ruas, a população comenta que a presidente veio ao país com os bolsos cheios e os olhos fechados.

Yoani pretendia participar do lançamento do documentário "Conexão Cuba-Honduras", do cineasta Dado Galvão, em Jequié, na Bahia sobre a liberdade de expressão nos dois países. Galvão já não sabe mais se lançará o filme porque além de Yoani, o jornalista hondurenho Esdras Amado López foi impedido de vir por uma decisão da Justiça.

- Foi um baque. Agora sim posso dizer que a viagem de Dilma a Cuba foi decepcionante. Esperava que nos bastidores, ela, que já passou por isso na pele, tratasse do assunto. Esperava que a nossa diplomacia pudesse interceder - disse, lembrando que já havia providenciado passagens aéreas e hospedagem para a blogueira por meio da secretaria municipal de cultura.

Para Elizardo Sánchez, da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, a situação de Yoani é vivida todos os dias por milhares de cubanos que são impedidos de visitar familiares.

- Em certa medida, é um desprezo à democracia brasileira, que concedeu um visto para Yoani. Era de se esperar que o governo tivesse um gesto positivo, afinal a visita de Dilma foi muito útil para o regime em termos de legitimidade e imagem pública porque ela representa uma grande democracia.

Em referência à visita da presidente brasileira, Yoani citou o principal investimento discutido entre os dois governos.

"Dilma, de que adianta ter um porto tão grande e moderno como o de Mariel se não podemos sair por ele?", escreveu, em referência ao projeto tocado pela empreiteira Odebrecht e que tem financiamento para exportação de serviços do BNDES.

Para Berta Soler, porta-voz das Damas de Branco, um grupo que reúne mulheres e familiares de dissidentes políticos, a medida revela a falta de compromisso do governo cubano.

- É uma mostra da intolerância. Mas aqui as coisas funcionam assim, um dia o governo promete algo e no dia seguinte já não cumpre o que disse.

No Twitter, Yoani fez referência à total falta de esclarecimentos sobre a decisão. "Sinto-me como o refém sequestrado por alguém que não escuta e nem dá explicações. Um governo com máscara e pistola no cinto".

O dissidente Rolando Lobaina lembra que o próprio presidente cubano, Raúl Castro, já havia mencionado que a liberalização de entrada e saída do país era algo que precisava ser pensado com calma para não favorecer os que são contrários ao regime .

- Essa é a agenda da revolução aplicada a pessoas das quais o governo desconfia que podem causar danos à imagem do país. A verdade é que a visita de Dilma atendeu apenas a interesses econômicos e correntes de pensamento político, mas não aos interesses populares - resumiu.

Enquanto isso, sem licença para deixar a ilha, Yoani avalia que o governo perde mais ao impedir sua saída. A blogueira se converteu em uma das principais vozes de oposição ao regime. Para ela, o episódio pode ter valido à pena se tiver chamado atenção para a situação migratória dos cubanos, que ainda dependem de autorização para ir e vir.