Título: STF fortalece Poder
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Fonte: O Globo, 04/02/2012, Opinião, p. 6

Judiciário Atensão reinante durante todo o recesso do Judiciário, devido ao embate sobre o alcance de prerrogativas da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi dissipada na quinta-feira da melhor maneira possível. O temor da desidratação do conselho, peça essencial no processo de reforma do Poder iniciado no final de 2004, terminou afastado, por seis votos a cinco, em mais um histórico julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Logo no primeiro dia do recesso, em dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello aceitara pedido de liminar da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para cassar do CNJ o poder de, por sobre as corregedorias dos tribunais, investigar denúncias contra magistrados. Foram semanas de pressões de lado a lado, amplificadas por revelações sobre o trânsito de muito dinheiro por contas bancárias de juízes e funcionários de tribunais, movimento detectado pelo Coaf, órgão federal de vigilância na repressão à lavagem de dinheiro. E subjacente a todo este clima ainda ressoava a frase infeliz da corregedora Eliana Calmon, do CNJ, acerca de supostos "bandidos de toga".

Mas, com apoio majoritário no STF, o conselho manteve a prerrogativa, e com isso o corporativismo, infelizmente uma das marcas do Judiciário — como também do jornalismo, medicina etc — que move as associações de magistrados saiu derrotado. Mas não significa que os cinco ministros derrotados — Marco Aurélio, Cezar Peluso, presidente da Corte e do CNJ, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Luiz Fux — tenham julgado o caso como agentes da corporação. Isso porque em nenhum momento esteve em questão a competência do Conselho de investigar juízes, importante nuance para a qual chamara a atenção, de certa maneira, o próprio Peluso, em discurso, quarta-feira, na cerimônia de abertura do ano jurídico.

A depender das corporações, o CNJ seria um cão de guarda sem mandíbulas.

O que se julgava era se o conselho poderia, por iniciativa própria, agir, ou, antes, teria de se justificar e até mesmo esperar a atuação das corregedorias regionais, geralmente lentas.

Acharam que não há esta necessidade a estreante ministra Rosa Weber — depois de resistir a uma pressão pouco protocolar de Marco Aurélio Mello —, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ayres Britto e Dias Toffoli.

O desfecho do julgamento transcende o caso em si. Com ele, reforça-se o movimento a favor da transparência no Judiciário, mantida intacta a independência funcional do magistrado. Fortalece-se, ainda, a pressão na sociedade brasileira contra a corrupção, praga que ameaça até a Justiça, como se constata em denúncias recentes. Fica, também, uma lição ao Executivo e ao Legislativo.

Se a Justiça, Poder historicamente fechado, abre portas, janelas e se dispõe a cortar na carne no combate ao "malfeito", por que governos e Casas legislativas não vão pelo mesmo caminho? Este é um julgamento que fortalece o STF como guardião da Carta, crucial para a estabilidade jurídica e institucional no país. E, para ser coerente, deveria o STF aprovar o quanto antes a entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa.