Título: No país, cada estado age de um jeito
Autor: Brígido, Carolina; Amorim, Silvia
Fonte: O Globo, 09/02/2012, O País, p. 4

Governadores sabem que é grave a crise quando policiais e bombeiros cruzam os braços por melhores salários. É hora de conversar. Em jogo, o carisma do político da vez e a disposição das forças policiais de fazer barulho e deixar a população em pânico. A História mostra episódios que ajudam a entender como os governadores negociaram — ou não — com os grevistas.

Segundo cálculos de especialistas, já foram registradas mais de 300 greves de agentes de segurança pública no país desde 1997. Cada uma foi resolvida de um jeito, o que mostra que a Constituição nem sempre é respeitada.

No Rio, em abril de 1980, 500 oficiais da PM e do Corpo de Bombeiros cercaram o governador Chagas Freitas no Palácio Guanabara. Exigiam melhores salários e condições de trabalho. Cerca de 200 conseguiram entrar nos jardins do palácio.

Depois de muita conversa com uma comissão, o impasse ainda estava longe de ser resolvido.

Chagas Freitas pedira um prazo de cinco dias. Assustado, um garçom do Guanabara disse: "Nunca houve um dia destes por aqui".

Ele estava perto da janela, de onde via grupos de dez PMs e bombeiros, em todas as saídas, de plantão dispostos a impedir a saída de Chagas Freitas. O prazo, porém, foi cumprido, e o aumento foi concedido em clima de muita tensão.

Os PMs ficaram satisfeitos com o reajuste.

Quase duas décadas depois, em agosto de 1997, a história foi diferente. O então governador do Ceará, Tasso Jereissati, determinou o afastamento de 96 policiais, civis e militares, que participaram de uma greve. A medida significou, para o governo, o fim da greve, que já estava enfraquecida. Os soldados expulsos foram substituídos por reservistas das Forças Armadas. Durante a greve, Tasso não negociou com policiais. Ordenou ao secretário de Segurança Pública que, se preciso, partisse para o confronto com policiais revoltosos. Mandou prender os líderes da greve e encerrou a rebelião. Havia, na época, uma onda de greves e protestos de policiais em outros 13 estados. A maioria foi resolvida com negociação e aumento salarial.

Em meados de1997, Eduardo Azeredo, então governador de Minas, foi criticado por ter negociado com PMs em greve. Azeredo baixou proposta única e reajustou o salário de parte de oficiais.

Cabos, soldados e sargentos, porém, ficaram de fora. O estado mergulhou numa crise selvagem, com tiroteios entre PMs e correria. Soldados do Exército foram chamados. No início da greve, Azeredo subiu a oferta para 20%, mas era tarde.

O governador só conseguiu encerrar a paralisação dando aumento de 48%. O episódio incentivou policiais de outros estados a também reivindicarem reajustes, num efeito dominó. O Exército foi às ruas de outros sete estados para garantir a segurança.

Há pouco mais de dez anos, em 16 de julho de 2001, a Bahia voltou ao normal após11dias caóticos.

Assim como neste início de 2012, houve saques e assassinatos. Cerca de 12 mil policiais cruzaram os braços. Soldados do Exército foram enviados ao estado. À época, o governador César Borges deu reajuste de 21% para PMs.

Após a greve, Borges acusou grevistas de participarem de saques e defendeu que o Exército inspecionasse a PM.

Em meados de 2011, em plena crise com o Corpo de Bombeiros, o governador do Rio, Sérgio Cabral, chamou de "vândalos" os manifestantes que invadiram o Quartel Central da corporação.

Após esfriada a tensão, Cabral admitiu que errou.

Pesquisadora de segurança pública, Alba Zaluar afirma que há um "buraco" na engenharia institucional do país quando o assunto é o direito à greve de forças militares.

— Esse direito não existe para quem anda armado.

Uma polícia moderna não pode funcionar assim. O governador fica na maior saia justa. Não sei como ele vai sair desse buraco.

É o momento de se repensar.