Título: Água na fervura
Autor:
Fonte: O Globo, 11/02/2012, Rio, p. 16

Governo reage a greve indiciando 270 militares, prende 140 e leva líderes para Bangu 1

Ogoverno do estado reagiu com rigor no primeiro dia da greve de bombeiros e policiais civis e militares, e o movimento teve baixa adesão. Foram indiciados 270 de militares ligados à paralisação, dos quais 140 foram presos - 123 bombeiros e 17 PMs. O governador Sérgio Cabral baixou um decreto agilizando o processo de punição de praças. Além disso, a Justiça Militar decretou a prisão de 11 PMs líderes do movimento, entre eles dois coronéis da reserva. Nove se entregaram e foram levados para Bangu 1, onde já está um dos cabeças da greve, o cabo do Corpo de Bombeiros Benevenuto Daciolo. A cabo Vivian Sanchez Gonçalves, única mulher do grupo, foi levada para o Batalhão Especial Prisional (BEP) da PM. Um ainda está foragido.

Somente em Volta Redonda, 129 PMs foram indiciados por crime militar. Outros sete foram presos administrativamente e autuados por desobediência. O Corpo de Bombeiros determinou a prisão administrativa de 123 salva-vidas, indiciados por terem faltaram ao trabalho.

Na capital, a greve pouco se refletiu nas ruas. Na orla de Copacabana, o policiamento estava aparentemente normal pela manhã. O Leblon ganhou reforço de equipes do Bope. No Arpoador, 11 PMs e três patrulhas estavam parados em frente ao posto 7, por volta das 10h. Segundo a advogada Regina Lúcia Seabra, moradora do bairro, geralmente ficam ali, no máximo, dois veículos em dias de grande movimentação. De acordo com o capitão Marques, os policiais aguardavam o abastecimento de um dos carros para começar a ronda e o efetivo na região estava normal.

- Nunca vi tanto policial aqui - disse Regina. - Nem nos fins de semana.

Postos na Zona Sul sem guarda-vidas

Policiais do 22º BPM (Maré) fizeram um comboio pela Linha Vermelha que teria relação com a greve, mas o comandante da unidade negou. Uma equipe do Bope chegou a ser enviada para o batalhão. A Polícia Civil informou que enfrentou problemas isolados. De manhã, policiais da 15ª DP (Gávea) contaram que apenas os casos graves estavam sendo registrados e que só 30% da equipe estava trabalhando.

Durante todo o dia, a Polícia Civil divulgou suas operações. Pelo menos nove pessoas foram presas, entre elas os acusados de matar, em 1º de janeiro, Gualter Damasceno Rocha, de 22 anos, dançarino conhecido como Rei dos Passinhos. José Antonio Ferreira Dias, de 57 anos, e Carlos Emílio Cerqueira, de 45, foram detidos em Bonsucesso, de madrugada, por agentes da Divisão de Homicídios. Nenhum policial civil foi preso.

Na orla, nos postos 2 (Copacabana), 10 (Ipanema) e 11 (Leblon), não havia guarda-vidas de manhã. Nos demais, os salva-vidas trabalhavam normalmente de manhã. Segundo o Corpo de Bombeiros, todos os postos funcionaram durante o dia, apesar do grande número de faltas. Além da prisão de 123 guarda-vidas, foi exonerado o comandante do Grupamento Marítimo da Barra, tenente-coronel Ronaldo Barros. Por nota, a corporação informou ainda que instaurou um conselho de disciplina para avaliar a conduta do cabo Daciolo e de outros 15 guarda-vidas. Também serão avaliadas as posturas do capitão Alexandre Marchesini e do major Márcio Garcia. A punição poderá ser até a exclusão da corporação.

Outra medida do governo foi agilizar os processos administrativos. Por decreto, Cabral reduziu os prazos para apuração, julgamento, recurso e aplicação de punições contra PMs e bombeiros pelos conselhos de disciplina das duas corporações. O trâmite para a punição, que antes levava até 80 dias, caiu para 32 dias. O decreto diz ainda que o titular da pasta (no caso, os comandantes-gerais) poderá assumir a responsabilidade pelo processo e lhe dar um desfecho diferente, se assim o entender - antes, uma prerrogativa apenas do secretário de Segurança.

O relações-públicas da PM, coronel Frederico Caldas, disse que a situação no estado estava controlada e que não havia ontem necessidade de convocar o Exército ou a Força Nacional. Segundo ele, problemas maiores aconteceram no interior, principalmente em Campos e Volta Redonda. Por causa da decretação da greve, o comandante da PM, coronel Erir Ribeiro da Costa Filho, e seus assessores diretos dormiram no QG da corporação, no Centro, onde foi montado um gabinete de crise.

- Apesar da greve deflagrada, a situação na cidade está dentro da normalidade. Essa normalidade decorre da consciência da tropa. Tivemos alguns problemas isolados, mas prontamente sanados. O patrulhamento na cidade está garantido, principalmente para blocos e jogos de futebol no fim de semana - disse Caldas.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu ontem a decisão de prender policiais acusados de se rebelar. Após conversar três vezes com Cabral, ele concluiu que a greve no Rio está se esvaziando:

- A partir do momento em que há o descumprimento de regras, as medidas cabíveis devem ser tomadas. Acredito que havia uma firme disposição do comando da segurança pública do Rio de coibir desmandos, nocivos à sociedade. As ações desenvolvidas estão corretas.

Cardozo deixou claro que, se houver necessidade e o estado pedir, o governo federal está pronto para mandar tropas para o Rio. Em nota, a OAB-RJ ressaltou que as reivindicações salariais da categoria são justas, mas a greve é inconstitucional.

Funcionamento de UPPs é normal

As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) não foram afetadas pela greve. No Morro Dona Marta, em Botafogo, havia de manhã duas patrulhas num dos seus acessos. O comandante das UPPs, coronel Rogério Seabra, afirmou que não houve qualquer incidente. Segundo ele, nenhum dos quase quatro mil homens que trabalham nas unidades faltou. Ainda de acordo com o comandante, PMs de folga chegaram a telefonar se oferecendo para se apresentar nas UPPs, caso fosse preciso. Homens do Grupamento de Cães foram enviados à Rocinha, que está ocupada pelo Bope, para ajudar no patrulhamento.

A PM descartou qualquer envolvimento de policiais em dois atentados ocorridos de madrugada e ontem de manhã. O primeiro aconteceu por volta de 1h30m, em São Gonçalo: as fachadas de três agências bancárias (uma da Caixa Econômica e duas do Banco Itaú) foram atingidas por vários tiros. Ninguém saiu ferido. Em Barros Filho, um carro da Polícia Militar foi alvo de tiros na Avenida Brasil. Ninguém se feriu, e os responsáveis pelo ataque não foram identificados.

COLABORARAM Fábio Vasconcellos, Luiza Damé, Catarina Alencastro e Carolina Brígido